11/08/2006

Cort e

O pedaço de pano amarrado na perna. Ela queria se livrar, abrir a tampa do vidro.Era preciso arrancar a raiz.Doía muito arrancar de uma vez, e doía muito arrancar aos poucos.O pedaço de pano.Cheio de cera de abelha.O pedaço esmagado pelo movimento.Queria arrebentar o laço. Queria adoecer a doença, matar aquela parte.Queria uma sombra ou uma arma. Um encosto ou uma solução aquosa.Queria molhar o pedaço de pano.Queria vedar a boca.Não responderia mais nada.Que observassem. Que observassem ela, seus gestos, sua língua, sua vesícula, seu estômago, sua febre. E que silenciassem apenas. Que silenciassem diante da sua gosma viva, da sua fraqueza, da sua desistência. Que perna amarrada perante todosfosse um testemunho. Que o decepar do membro fosse explícito. Era preciso soltar a fera que ardia o pano encerado.Que não perguntassem mais nada nada.Que a deixassem ser a lamúria, ser o breu do fim da noite, ser o bueiro, ser a lama.Que absolvessem, cruscificassem, aplaudissem ou a deixassem de vez. Que vissem nela aquele pedaço arrematado. O pedaço marcado por seus próprios dentes. Que pudessem enxergar, que ela não conseguia tirar aquela parte, que ela tentava enterrar o membro mas que ele lhe rogava a pele, puxava-lhe os cabelos, e se deitara com ela antes de se enozar em seu corpo.Que o pedaço de pano encerado amarrado na perna era uma crosta, um germe, uma fecundação, que ela não conseguia se livrar .Que o pedaço de pano na perna dolorida se alimentava de sua morte, de sua lágrima, de sua ritmia cardíaca. O pedaço de pano de aço havitava dentro dela, mais que a perna.O pedaço dela.A perna inteira ficou perna trapo.E era ela quem tinha amarrado e era ela quem ia ter que corta r.