4/28/2006

A tua voz vem de longe
como uma água parada.

Toda a montanha neblinada
toda a forma irregular
todo cálido momento
de respirar a solidão.

Te venero.

Todo o pano de trás
todo o embrulho da vida
toda forma

uma vez foi tudo um presente.

É uma partida desatinada a vida
que virá amanhã?


Te anuncio.

Mesmo que deixes de pousar

mesmo que não finques raízes.


Amor é filho do inusitado

sentimento métrico dos prazeres.

Anúncio!

É a letra formando a palavra de um.

Anúncio!

um chamado por você.

4/19/2006

Pedido

Venha,
me traga fugaz
as nossas boas partes
de nos ter sidos.


Venha para dizer
o
sim.

Matando
de vez
as vezes todas
em que o
não
imperou.

Venha no desenhos da minha cabeceira
nos movimentos dos meus dedos
ao te lembrar já estranho.

Venha me cheirar as mãos.

Venha ocultar
aqueles instantes todos
em que quis
me morrer
ao teu lado.


Venha para deixar na minha memória
ao menos uma ida
sem buracos.

Venha para acabar
com essa sujeira entalada
nos olhos do nosso
convívio interno.

Venha para uma visita.
Para um dia sem as demarcações
dos nossos choros.

Nossos gritos ainda empregnados
nessa parede
me lacrimejam a sua bruta ida.

Venha sim!

Nem que seja para abrir e fechar
nossas esperas.

Venha para deixar um trevo
uma semente
um pedaço de pano para a mesa.

Quantas vezes lamentei
os panos escassos
das mesas dessa casa?

Venha trazer uma respiração
sem parto.

Venha trazer um pulso
um ponto-cruz,
algumas maçãs.

Traga algo.

Para as vezes que
deitar minha cabeça
para trás
não seja uma culpa sua.

Para que eu não chore
as vezes em que retomar
um lira dessa lembrança sem cortes.

Para que não me abafe a calma
as vezes que rir
a sua gargalhada comprimida,
tão odiada por mim.

Para as vezes em que eu
bater na porta
dessa solitária história.

Venha me trazer um resquício
dos nossos ridos conflitos.

Um alfinete
uma agulha
um botão
feliz!

Para que eu possa caminhar
nesse sol pairante
sem a sua sombra
incompleta.

4/17/2006

Apelo musical

Alguém!

Alguém me dê um
motivo
único
para estar aqui.

Algum motivo para estar
neste lugar
incógnito
pequeno e úmido
em mim.

Alguém me dê o motivo
de estar neste luga imóvel

alguém de me dê
o motivo para ventar.

Para não ter ido...

Um motivo para ter feito.

Um qualquer!

Para estar por aqui
e por aí em ti.

Contar, descontar
sentar levantar.

Me dê o motivo dessa mancha
na minha pele
dessa sarda que nasceu
na minha tez,
por alguma ausência
ramificada.

Me dê!

É meu!

Alguém...

Para limpar essa suajeira.
Para olhar adiante
do vidro transparente
da paisagem.

Para persistir aqui,
para porvir,
para esperar
sangrar
ir
ir ir ir ir ir
ir
ir ir ir ir

algum motivo.

Algum motivo para acalentar
essa minha cabeça sem encosto.

Algo me dê
algum motivo
para não


naufragar
borbulhar
fugir



ficar.

Para estar adiante
além

para estar só

para estar
junto

para querer

para cortar

para fazer.

Alguém daí,
algo daqui


para me implorar
a existência.

4/10/2006

Pena Morte

Primeiro morreu nossa gata.

Depois morreram algumas
mesmas palavras
tão derivadas de dor.

Depois morreram
nossas músicas compartilhadas.

Morreu a fome de um,
a fome do outro.

Morreram as pernas quentes
nas escadas,
o corpo efeito
da ternura
na estrada.

Morreram os lençóis
os textos
as toalhas
os bilhetes dóceis.

Morreram também as esperanças

Tudo já era, desde o início.

Morreu também os prantos
nada se guardou
para o curtir do amanhã.

Morreu a pancada e o presente
o grito forte
a voz ausente.

Morreu o efeito imediato
morreu.


Morreu a vontade de não dar o tapa
morreu a vontade de estender o braço
morreu a vontade de salvar o afogado.

Morreu a surpresa e a empresa

a conta conjunta
e tudo apareceu na mistura,


morreu o um que tava no outro

morreu o lábio molhado

a torcida inquieta

morreu o suor e o eclipse.


Morreu a grama,

os conjuntos de mãos

as nossas asas que batiam

presas-soltas.


Morreu tudo

até nós
que parecíamos vivos.

Morreu o nosso fôlego

o nosso golpe,

nossa história dividida em dois.

Morreu a sombra

a luz.

Não doeu mais
nada
nada.

e o peso de uma morte
tão esperada
é o nada.

Indiara

Indiara habita
um vilarejo
de macelas.

Os pés delicados
e a boca mastiga...

Indiara é uma castanha.


Pisoteia os colchões
que a remessa de nuvens
traz.

É algodão uma vez
a cada amanhecer.

Indiara encomenda
às luas florais, rendas, alfazemas...


O relágio desperta
e Indiara abre a janela:

sálvia!

Alcançando os passarinhos
com sua entrega.

Indiara é uma elfa.

Pede ao tempo que pare
para ela passar,
pede ainda um espaço
se alastra
se garça,


fecha sua asa sobre nós.


Lentamente abre
a boca comprimindo o lábio rosa
e a testa branca
Indiara pede...


Indiara pede...
Para trazer-lhe as mudas folhas
caídas no caminho.

Pede.. Para não arrancar
nenhuma


as
caídas

Indiara sussurra.

4/08/2006

Desmerecida

Ajoelhei-me
deitada no chão
contei as goteiras,
as gotas
abri
fechei
abri fechei
a janelinha esmiuçada do banheiro.

Nada me prende ao chão
nem o pó
nem a masmorra
movimentada do dia.

Eu contei o tempo
arregacei as horas
te insisti
te refalei
me adoeci,
nada
nada
nada
do que vi
foi resposta
das minhas perguntas.

Até a sombra de uma cadeira
marcada na parede
me parece mais livre
que essa história.

Até esses enfeites de macela
sobre a mesa
começos da escada
até tudo isso,
não me respondeu a pergunta.

Ou sou cega-surda
ou deveria ser mesmo muda.

Ou sou apropriada
fina folha de sulfite branca,
pasma,

ou a tentativa de me unir ao chão
ao pó assentado nas prateleiras
não passa de um tênue reflexo

sobre meus sentidos
escondidos
vistos
falados e ouvidos
desmerecidos.

4/05/2006

Dedos-Buracos
Minhas mãos trêmulas não sustentam
minha vida, vida.

Minhas mãos cheias de boca
não me resgatam
as duras penas que foi o ímpar trabalho
desse sorrisoque me unge.

Os buracos da minha mão
me corroem.

Tudo o que perdi,o que se encontrava
na palma
há um sopro de felicidade,
o tempo ventoso me arrancou.

A âncora dessa história sem fôlego,
não me revelou.
Eu não entrei em mim.
Por muitas vezes nem fui eu.

Os burcacos no azuleijo
a mancha de café na parede,
nada disso me respira no vôo casual
de me ser,
entre essas habituais
imperfeições dos amantes
da vida simples.

A luz que a vida quis dar
não gestei,
eu não escolhi ter vestido esses
cadáveres
pesos em mim.

A rapidez do tempo me arruinou.

Os sofás, as almofadas,
a janela serena de sol,
nada disso me sopra a eternidade.

Ainda me escorando
nos dias vividos
restauro a fronte
do meu ego-sistema

4/01/2006

Doloridos

Escolhi correr
na parte estreita da calçada.

Saltito perdas.
Saltito
no correr
des-emoções
des-ultilidades
des-rítmos
des-corro.

A cerca finca
no troco de uma árvore
cortada ao meio.

Além de decepada
árvore fincada
no arame farpado
sulca
seiva.

Ninguém vai fincar
a história
em que cavei o alicerce.

Ninguém vai sulcar
emudecer
as palavras que foram
minhas e tuas
o ontem
que faz anos.

Ninguém abrirá a mesma
carta
com tanta certeza de
chorar.

Talvez ninguém mais
chore por mim.

Ninguém
vai esmiuçar
as idéias,
morrer por uma tentativa
de te conversar.

Talvez ninguém
ninguém
saiba,
quantas tentativas
fincaram o arame
e fizeram para sempre
parte do nosso
tronco-corpo
dolorido.