6/30/2006

Bem não visto

Espera aí,
Bem-te-vi.

Não vai achando
que porque sou pequeno
colibri
você pode vir decepando
minha raiz.

Não é só porque somos
passarinhos
e nos fizemos quase
por iguais
que você pode
sair me espatifando
as folhas
da única quimera.

Olha lá Bem-te-vi
Eu bem vejo
a tua
face obscura
e bem te sinto
teu peso,
mesmo que por
detrás da tua façanha
de riso.

Bem-te-vi
presta atenção,
a vida não é um palco não
a vida não é besteira pra você
fingir pra mim.

Ou acha que eu eu nunca depenei?
Ou pensa que eu já arranquei
uma pétala sequer
do seu sucesso?

Ou acha que não posso ter
bons olhos para tuas
penas leves
só porque eu fundo
meu próprio cobalto
meu aço pelas espereitas
de me ser.

Bem
te
vi

Não vem com essa pose
de lá vem ouro
e ternura,
que eu sei no fundo
que a tua garganta
anda trancada
pelo tédio,
pelo medo de não arrebentar.

Ou acha
que só porque tenho duas feridas
aladas no meu rosto
eu não tenho olhos nem desternuras
suficientes para ver
teu asco embrenhado em dor?

Bem-te-viu
sou teu espelho.

Que vês além de mim pássaro
cansado de voar,
que não me olhas
suficientemente para ti
sentindo
que posso te dar a mão?

Que
bem não visto
posso ter para merecer
tal desfeito?

Bem-te-vi
mesmo que seja,
nada te daria
o direito
de me cortar

Bem-te-vi
não faz assim
que bem não vejo
tua sem cera verdade.

Faz não isso,
Bem-não-visto,
que fico no grito com você!

6/16/2006

Meta Rir

Meta rir
Era metade.

Era uma metade
ensandecida de se ser.

Era uma metade ludibriada
mágica
mas vã.

Parecia muitas metades
por vezes
parecia outro
outra
ás vezes era.

Era fúnebre.
Um pé no lodo.
Era cruel.
Mas era uma metade.

Tinha pudores falsos
amarrados num medo
atravancados na minha perna
eu,
que muitas vezes
fui a minha metade
medrosa.

Parecia morta
constante.

Eu nunca soube o botão da luz da metade.

Quando ela recuava e me acusava
e me fazia mesmo
mórbida
eu atirava
e obstruía
a minha parte inteira.

Às vezes parecia sorrir
às vezes parecia gemer
às vezes se costurava
e pendurava no meu ombro
o seu peso
a minha metade.

Era tomada da minha sede
e da minha necessidade
era sempre certa
mas era parada
e a voz que já era baixa
foi ficando muda de palavras
ficou apenas as rasuras
do rosto
um puxão
uma sombra
um desânimo
acompanhado
de um olhar penugento.

Reclamava agora
a metade.

Ficou febril
ficou turva
sem ouvido de riso.

Ficou desistida
ficou plasmática
branca
às vezes
me passava
despercebida.

E me parecia uma metade
tão manca de força,
que me surpreendi

quando a vi
rir feliz
rir com soltura ausente
com leveza
de um peso
que me deixou.

Rir rir e rir
radiantemente
e explicitamente.

Rir e rir
ela,
quando ainda ontem
havia chorado seu enterro.

6/06/2006

Adquira-me

Adquira-me em paredes
Em partes dissonantes
Todos os poemas.

Adquira-me em silabas
Letra a letra
Que passar rente a mesa
Das tuas palavras
Embaladas de noite e soltura.

Adquira essa minha inconstância ao andar
Esses acasos vivos em mim
Como um cão acariciado por um desconhecido
Permita-me um carinho alheio
Ao que ofereço no poema

Não quero te prender
Na linha estreita e apertada da forma
Não quero te ditar uma rima
Nem tão pouco que entendas a poesia
Como um sopro que desejas imensamente
Ou simplesmente
Perceber.
Não quero te encher dessas palavras
Repetidas.
Ao poeta não cabe a palavra
Cansada e óbvia
Ditada e redita a toda hora
Nessa confusão barata
Do mundo-boca.

Que queiras conhecer outra palavra alva
Outra palavra branca ou negra
Escondida nesse caderno espaçoso
Sem linhas de excesso
Limpo, liso e preciso.

Aquele verso volto e revolto
Consultado diariamente
Recitado pra si,
Aquela palavra inversa
Que te cerceia
E não sabes
Lembrar o nome.
Aquele sentimento poema
Que te engalfinhas para achar
O sentido

Mas só diz a palavra
Mas a palavra só diz
Mas só a palavra diz

Se eu permitir um espaço
Entre o livro e essa instancia em escrever
Se no visgo da minha passagem
Lado a lado
Vizinho a essa remessa de verso
Solveres
Saliva a saliva
Minúcia a minúcia
Gole a gole
A poesia distante que rápido me evapora
Adquira-me logo.

Há de passar em mim e perante a esses corpos
O poema-labirito
Que negado a adquirir-nos
Pode se enterrar
Em qualquer outra garganta seca .

E pode estar lá morto
Nosso viço-poema
Que quase nada quis
Dilacerado numa parte-página
Em branco.

6/01/2006

Pulso do não dizer

De grão em grão
echi-me de respostas
argumentos itnerários
de um não-dizer propriamente.

Meu querer são.

Meu não-querer próprio
e único.

Esses braços cansados
de sim
essa mandíbula trêmula
sem rodeios e cortes ao falar
essa interrupção
do meu dedo levantado

meu dedo não quer responder.


Necessária seria
a falha vingada
se não calada.

Esse ensaio embaralhado
colecionado e aglutinado
no minuto certo
de referir-me.

Não foi o engasgue
nem esses olhos travados
nem a ressonância
pulsada e atravancada
do medo.

Travada na minha garganta
não foi a emoção.

Foi talvez a casca ilusória,
o cansaço das travessas-petróleo,
as falas repugnantes do mundo-sertão.

E foi a primeira não-provisória
que me impediu de dar um peteleco
nesse fogo dolorido
que meu pensamento gritou.