9/28/2007

E quando pensamos em buscar um sorriso mais além. Esta é a resposta. E quando conseguimos. Duas pedras vivas cintilam e cintilam.E torno a repetir as palavras porque ainda elas são naturais como as asas de uma maripoza quando roçam . O repetido é belo.Repito e repito. O grande mistério que envolve os seus dois braços intocáveis para mim. O grande mistério me mantém a te olhar e a te querer ocultamente. Embora eu sonhe tocar os seus pêlos. Embora eu deite em sono, e antes de me sair, fico esperando como será o seu gemido maior. Eu...que a poeira e a traça fazem morada. Há ordenado nesta parede mil cupíns que vibram juntos pelo riso desta morada. A vida vem ocupando um sentido maior. Lavo taça, estendo roupas, e sou tão feliz quanto rolar na areia do verão. E sou tão piso que desejaria ser maria fernanda,ser mano, ser libélula, ser moita, ser vaso de espada de são jorge. Meu desejo preso de nos rir é maior que qualquer medo. Eu queria ser a água que lava os seus olhos. Parece que estou presa, mas quando mais quero ser, quanto mais brinco com o meu buraco, com minha nódoa, minha ferida, mais vôo.

9/25/2007

lugar de mim

Alguns chumaços de luz
preto e branco
é o passado e sua vestimenta
de tortura

a voz vem tecendo
um conselho calmo

vá por ali

embora os pés estejam
esticados
duros e presos
neste chão

é preciso cortar

é a força que controla
a força que torna ofegante
seu respiro

eu esperava sair daqui

você está ao léu
longe de qualquer lugar
que sobre a mim

você não pode alimentar
a minha carne

e no entando me invade
e eu que era tão inteira ali
e eu que parecia penugem
que parecia fantasma
entrando na fresta da porta

um medo de não apagar você
uma dor de ainda estar
ainda ser

com seu andar em molejo
com suas peripáceas
pulos em mim

as armas se dissolvem
e volta
volta volta
a agonia que me pulsa
o seu corpo
o seu suor
sua voz
gasta chorando
um carinho

você dá corda na caixinha
e quando chego perto
vira os olhos

eu queria que
você pudesse me tirar
daqui

ou me levasse com você

o dia invade a obrigação
de estar no ponto

seus colares
estão presos
no meu vestido

mas veja
eu preciso ir
preciso que você
abra a porta

nossas ruas se bifurcam
no vão

e deparo novamente

você não responde
eu grito
você acena do outro lado do continente

está morrendo
está morrendo

eu preciso que você
venha terminar
de matar isso

eu preciso que
esta seja a minha última
palavra de uma morte

que renasce todo dia
em outro lugar
de mim

9/11/2007

Sonho


Não. Não pense que eu vou embora. Aquela que está imersa na neblina. Não é agora que eu vou cair. Não pensei que podia chegar aqui. Um mulher com uma perna machucada. Subindo a ladeira escorregadia. A casa. A casa que não se abriga em contagens arranhões e afeições. A casa que não abriga amores em desvantagem nem almas perdidas de um laço. Os bancos tremem. O portão dos seus olhos range.Braços de galhos. Raízes entre os dedos do pé. O repuxo que monta uma ausência nas costas de um indivíduo cabisbaixo. Consolos alcoólicos que derramam a lembrança dos seus dedos quando costurados no meu cabelo.Um objeto pontiagudo que invade a carne. De repente, começa latejar. Uma dor de não ser mais.Não ter mais. Não poder mais. A quentura das suas mãos morango em frêmito na noite. A vontade de ser rio.O rio e o seu privilégio de assistir o nascer e o pôr da lua. A água que ladrilha a casa ao redor, que molha as plantas e reflete as sombras e o sol. Há uma gordura impregnada no meu querer. A casa acolhe as avalanches da noite. O barulho da geladeira é assombroso. Eu escuto os uivos dentro da sua voz branca.E os cômodos em melancolia deixam exalar uma fumaça de ausência. Eu escuto passos, declarações de afeto, e zunes entre revoadas e desavenças. É um registro da parede. É um registro que se desmancha no chão, atravessa as lajes e impregna todo o material de estrutura. Ficam suspiros espalhados de gozo, sons de arrasto, mudanças de trincos cadeados.Você ainda está aqui. Essas migalhas de pão. Sobrou?Já passou?Então não é nada. Nunca foi. Você disse que queria me ver sol, e no entanto foi o primeiro a chegar chovendo nesta campina de uma semeadura sensível demais, fina demais, tola demais. Eu manchei um lago inteiro de choro azul anil. Eu enchi uma bacia inteira de desesperos. São cacos. E cortam. Não rasgue as fotos. Só os restos são eternos. Os restos nunca voam. Ficam ali, impregnando a madeira, grudando forças de ataque e amor, glória e resistência, neutralidade. Entre o telhado e o sótão essa saudade. Que saudade de você. Sua risada avança pela casa atropela as portas e entra de mansinho pelas frestas. Parece um hino da vida. A sua frase mais bem construída, e o seu mais devoto olhar entre as horas que giram ao contrário. Ainda sou essa passagem de barro e pedra.Embora a rua tenha asfaltado você ainda me dá a mão para atravessar. Mostra qual é a flor que nasce do mar. Já passou? Eu manchei uma lagoa inteira de sonhos enganados desde a primeira viagem. Quem vai querer ouvir as histórias sobre o que eu mais perdi?Sobre os atrasos, desistências, frutas que ficaram podres na fruteira do desapetite.Mais um sonho enganado.Já passou?Sempre a ingenuidade.A ingenuidade. A ingenuidade que só cabe entre as cartilagens que geram a pérola.Qual o medo do meu olho atento?Qual é o medo do meu espelho?Se eu fui também aquela que ofereci a mão. O engano. Quando tudo parece atado, laços de força e bronze.Laços de pó. Os sonhos erram, fogem de casa. Demoram para voltar. Fica um lugar sem dança. Um breo de nostalgia se difunde entre os respiros sobrevivos. Os sonhos voltam, vão e voltam. Vivos, maltrapilhos e sedentos arruinando a vontade de torná-los secos.
Imagem *Iberê Camargo

9/08/2007

Guriá, Guriá-Indiara Nicolletti Ramos

(Guria, Guria)
Porque se afastar
ou se perder no caminho

guria,guria

Semear porque a vida
é um grande campo
Onde Ceres ensina
a separar o joio do trigo

A vida, guria
Além de constante derruir
Também é a ilusão do construir

Tudo o que se junta em anos,
Se vai, se vai
Em um sopro
de mãos de conchinha,guria

Guriá, Guriá

Porque ir além de todo o porvir
Além de todo além
Porque se afastar, guria

Caminhar que é a única certeza
A certeza é o estar,
Porque só se sabe
que esta é a sua estrada.

É o teu caminho,
O caminho que para trás você deixa, guria

E estar é o presente
O suspiro dos passos que foram
e o novo passo que inicia

Porque então guria
se perder no caminho

Pois o caminho
já é toda
a tua existência.