Não. Não pense que eu vou embora. Aquela que está imersa na neblina. Não é agora que eu vou cair. Não pensei que podia chegar aqui. Um mulher com uma perna machucada. Subindo a ladeira escorregadia. A casa. A casa que não se abriga em contagens arranhões e afeições. A casa que não abriga amores em desvantagem nem almas perdidas de um laço. Os bancos tremem. O portão dos seus olhos range.Braços de galhos. Raízes entre os dedos do pé. O repuxo que monta uma ausência nas costas de um indivíduo cabisbaixo. Consolos alcoólicos que derramam a lembrança dos seus dedos quando costurados no meu cabelo.Um objeto pontiagudo que invade a carne. De repente, começa latejar. Uma dor de não ser mais.Não ter mais. Não poder mais. A quentura das suas mãos morango em frêmito na noite. A vontade de ser rio.O rio e o seu privilégio de assistir o nascer e o pôr da lua. A água que ladrilha a casa ao redor, que molha as plantas e reflete as sombras e o sol. Há uma gordura impregnada no meu querer. A casa acolhe as avalanches da noite. O barulho da geladeira é assombroso. Eu escuto os uivos dentro da sua voz branca.E os cômodos em melancolia deixam exalar uma fumaça de ausência. Eu escuto passos, declarações de afeto, e zunes entre revoadas e desavenças. É um registro da parede. É um registro que se desmancha no chão, atravessa as lajes e impregna todo o material de estrutura. Ficam suspiros espalhados de gozo, sons de arrasto, mudanças de trincos cadeados.Você ainda está aqui. Essas migalhas de pão. Sobrou?Já passou?Então não é nada. Nunca foi. Você disse que queria me ver sol, e no entanto foi o primeiro a chegar chovendo nesta campina de uma semeadura sensível demais, fina demais, tola demais. Eu manchei um lago inteiro de choro azul anil. Eu enchi uma bacia inteira de desesperos. São cacos. E cortam. Não rasgue as fotos. Só os restos são eternos. Os restos nunca voam. Ficam ali, impregnando a madeira, grudando forças de ataque e amor, glória e resistência, neutralidade. Entre o telhado e o sótão essa saudade. Que saudade de você. Sua risada avança pela casa atropela as portas e entra de mansinho pelas frestas. Parece um hino da vida. A sua frase mais bem construída, e o seu mais devoto olhar entre as horas que giram ao contrário. Ainda sou essa passagem de barro e pedra.Embora a rua tenha asfaltado você ainda me dá a mão para atravessar. Mostra qual é a flor que nasce do mar. Já passou? Eu manchei uma lagoa inteira de sonhos enganados desde a primeira viagem. Quem vai querer ouvir as histórias sobre o que eu mais perdi?Sobre os atrasos, desistências, frutas que ficaram podres na fruteira do desapetite.Mais um sonho enganado.Já passou?Sempre a ingenuidade.A ingenuidade. A ingenuidade que só cabe entre as cartilagens que geram a pérola.Qual o medo do meu olho atento?Qual é o medo do meu espelho?Se eu fui também aquela que ofereci a mão. O engano. Quando tudo parece atado, laços de força e bronze.Laços de pó. Os sonhos erram, fogem de casa. Demoram para voltar. Fica um lugar sem dança. Um breo de nostalgia se difunde entre os respiros sobrevivos. Os sonhos voltam, vão e voltam. Vivos, maltrapilhos e sedentos arruinando a vontade de torná-los secos.
Imagem *Iberê Camargo
Um comentário:
embora eu não partilhe deste sentimento onírico -
o ritmo, as imagens e as palavras: foi tudo es colhido com perfeição!
lindo demais
bjonzon!
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