3/28/2007

Loura madrugada - Luciana Chaves

Na loura madrugada
o prazer impregnado
no batuque

cachoeira sobre o corpo

Na madrugada sonhada
tudo se refaz
medo se desfaz
e permanece

Tua presença é luz
cintilando em minha pele flor

saltitando o meu pulsar
recriando meu tesão

Tua voz
harmonia perfeita
puxando meu samba
carnavaleando
meu prazer

Na loura madrugada
tua presença é luz
cintilando minha pele flor

Prazer impregnado
no batuque
saltitando o pulsar
recriando meu tesão

Na madrugada sonhada
cachoeira sobre o corpo
banha alma
o medo me desfaz
e o desejo me lateja

onde é que festeja
sem latejar
tua presença?

Na doce madrugada pagã
tua voz é perfeita harmonia
em excitante cadência
repuxando o samba em mim
em mim

carnavaleando o prazer

Revoa




Pra tudo
tem uma segunda chance

você me bateu
eu te arranhei

você rasgou
minha coleção
de folhas secas

você arrancou o único botão
da minha blusa

você me jogou no chão
e eu te bati

você puxou meu tapete
e eu puxei sei cabelo

você gritou comigo
e eu murmurei
com raiva

você me assustou
eu te denegri

você bebeu o meu veneno
e eu escondi o antídodo



Mas se
nos esbarramos
intimamente
no silêncio
de nossos sonhos

estivemos perto demais

se dói em mim
dói em você

porque pisamos
na alcova
um do outro

porque dividimos
a mesma asa da borboleta

porque fomos
juntos e unos
muito convictos
do não

porque apontamos
para o mesmo caminho

porque dividimos
o mesmo reflexo
no rosto parado das águas

porque de áspera e ânsia

a vida revoa

até uma folha

e foi tudo muito sentido

para não ser real
a vontade de voltar


vol
ta

nem que para uma segunda
vez

da primeira
*Lygia Pape

3/27/2007

*Ana Mendieta


Você pediu, com muita doçura que eu observasse o céu e olhasse o prazer das gaivotas sentindo o vento. Com seu sorriso você me pedia muita esperança. Mas ontem quase não levantei da cama, mas ontem eu quase fiquei no escuro sem acender a luz. Mas ontem, ontem me tirou o sol de hoje.Foi isso. E enquanto você pede e tem certeza da luz que entra pelas janelas, eu fecho a coritna e choro com medo de mais nuvens.

Dos olhos

Seus dois olhos diante de meus dois dor-olhos. No seu, havia duas lanternas verdes. No meu, dois últimos túmulos, duas margaridas murchas e uma nesga de fé. Que de encontro ao teu mar-olho ficou com vergonha e chorou.

O brilho da verdade*


Cura. Em alguns tons, ela se dissolve em leveza e asasde borboleta; em outros, vem da cachoeira daslágrimas, separações de corpos, sonetos rasgados,contratos assinados. Ela é a altura da queda. Esclarecida por serinteiramente, a cura é a verdade que brilha. Mesmo que ela traga em seu histórico confissões, dores,palavras-buraco, ausências e a foice. A cura é o corte. São aqueles dois braços olhados, percebidos de veia, força e verdade.Toda coisa verdadeira traz consigo um pouco de húmus,restos, sementes, túmulos, tempestades, alvoradas. A alvorada é como uma cura, um suspiro depois do cansaço.

A poesia de Enzo não finge um sorriso, não acena uma ida. Ela atravessa o interior da fruta e cospe ocaroço. Não é uma estrela brilhante por natureza, é uma estrela que percorreu todo o redemoinho da dor para chegar à luz.Quem nunca mostrou o corte da ferida, não pode descobrir o remédio. Quem não se rendeu à poesia de um velho pneu furado, não pode contemplar a via Láctea. Não pode porque a beleza é o que cintila e colore dentro da verdade. A poesia de Enzo é uma das mais belas reuniões de verdades. Não veste máscaras. Devolve ao cruel apontar de dedo social, o âmago da realidade que vivemos. E por que afinal estamos em meio a resíduos de nós, ao invés de todos estarmos embrenhados nas florestas da Cura?A verdade está na bolsa dos escafandristas; a verdadenão tem medo de cortar porque ela sabe que a faca apesar de cortar, pode acariciar a forma e desenhar embalos de mães.A verdade é tão dolorida que purifica, é cavada comtanta intimidade que purifica. Mesmo suja e cinza como o céu de Afeganistão, a verdade voa. Mesmo incrustada de sentimentos e vazios, mesmo oculta de medos e rasgos, a verdade voa. “Pois até os urubus são belos nos largos círculos dos dias sossegados”-CecíliaMeireles.

A poesia de Enzo remove a camada dos remotos adereçoshumanos. Revela, fere, aponta, mas também beija,acalma, entristece e dorme. É a vida do caos. Não entra de mansinho. Invade o quarto, afinca a terra,estia a bandeira, arranca a costura e deixa o trapo.Deixa a tempestade sem passar, deixa a tempestade e o barco dançarem.Como na obra de Turner, toda a sua aflição, todo o seu testemunho sobre fantasma, sobre nosso lado mais penugento. As palavras vivas de “Cura” não mimam, não cuidam, não adocicam. Apenas removem as amarras e couraças do mundo e revelam. Revelam aquilo que todos nós precisamos ao menos perceber, chegar perto e sentir. Mas isso não significa sentir prazer. A revelação de algo em nós é tão surpresa, que nos treme inteiros.


-Texto para o Prefácio do novo livro de Enzo Potel intitulado de "Cura"

3/07/2007

Rio do Choro


Chorei um choro leve

de quem carrega a vida

sem pressa


algo como um sonho

bobo de você


sonhei um choro

exausto

que sumia ao largo

da estrada


chorei teu choro ofegante

um tango


chorei um choro por ti

pra te matar no escasso

de um amor virado


Ao pé do redentor

minhas lágrimas

em véu


Chorei a pronúncia

de uma

grande lácrima

que muito arriada


vira um rio

sem foz

Imorais



O bicho do lobo homem

suicidou


No buraco que caíste

puxaste meu amigo


esse que pára

no ar


pára-paira


O doce do musgo carvalho

meu amigo é um beija-flor

existe pela própria

primitiva existência

cria


bate asas vezlozmente

mais que você

mulher-buraco


Ele

que enquanto o mundo grita

e a morte emudece

despe-se da rispidez


Ele

que com a bravura

da leveza

arranca a roupa

do luxo-consumo

e remove

a camisa do medo


Ela

que mostra

o cárcere

a fim de dar a flor do ânus

para o mundo


Ela

que

sorri

no seu

ânus

ônus


flor


Ela

que livre da morte

é somada a tentativa

de golpe

pela imoralidade

de outrém


(para o ele que é ela e vice versa)

Hilda Hilst



" A solidão tem cor, é roxo escuro e negro..é como se você fosse andando...uma vasta planície, vai andando vai andando, é tardezinha há até uma certa euforia, um vínculo entre você e aquela extensão...De início parece areira, brilha um pouco, vai anoitecendo..."
Imagem sobre o trabalho de Saveria Vicarini


Mariana S. da Silva

relato de uma inspiração ofegante

Soprou o vento

guardanapos sobre a mesa

rezei pra poder
pegar a festa

a seresta desta noite
xadrez
não reisisti
peguei um e saí


deixei-te a olhar

os guardanapos
no chão
o olho irmão vago
te atraiçoou a minha saída


um poema vale uma fuga

César Félix


Gaste o amor a mãos cheias


O amor é o único tesouro

que se multiplica por divisão

é o único dom que flumenta


Quanto mais você tira

quanto mais você gasta

mais se ganha


Doe-o, difunda-o,

espalhe-o aos quatro ventos

esvazie seus bolsos

sacuda o cesto

embarque o copo e


desande a amar...

Resposta espelhada


Quem é você

que me olha

assim de

modo tão inquisitor?


Que me perscruta o íntimo

quando na verdade

quer conhecer a si próprio?



Não pergunte para mim

as respostas

que estão dentro

de você



eu sou apenas

uma pálida imagem

refletida

daquilo que você

gostaria de ver




Eduardo Bermoso Neto (em uma mesa de bar à beira-mar)


Acima imagem de Letícia Cardoso-"gotas"

" A beleza é o brilho do que é verdadeiro"

Joseph Beuys

3/06/2007


Joseph Beuys

Cadeados

Te trago na palma da mão
Me sobraram dessas linhas todas
uma caixa de objetos
quase sem vida

Me sobraram
alguns restos-papelão
um gesto avulso
uma garganta inflamada
e estas dores internas

Na caixa da minha garagem
têm um guarnapo
com uma promessa efêmera
a culpa de um fracasso quebrado
as lagrimas secas
e as penas de mandar embora
o pó dessa última história

Onde me crio
Onde a jaula do meu leão
Se rompe

Onde corro uma fenda
Na perna,
quase sempre
só me restam
rostos-vapor
vozes-tumores

que a memória me cadeou

Há guardado no papeleão
Da minha garagem
Uma janela quebrada
Um cano furado
E uma lâmpada lascada

Há na garagem de mim
Caixas abertas
varais enozados
E perdas de tempo

Há cavado na minha unha
As sujeiras e os apreços
a covardia impregnada
nas portas erradas
que eu insisti em escancarar
para ver a visita de perto

Nos fundos desse porão cadeado
acasos risonhos desta incansável
vida de horas mortas

Que por mais dolorida a lembrança
cadeei e encadeei
e o tempo de vida
não me libertou

Cadeados

Te trago na palma da mão
Me sobraram dessas linhas todas
uma caixa de objetos
quase sem vida

Me sobraram alguns
restos-papelão
um gesto avulso
uma garganta inflamada
e estas dores
internas

Na caixa da minha garagem
têm um guarnapo
com uma promessa efêmera
a culpa de um fracasso
quebrado
as lagrimas secas
e as penas
de mandar embora
o pó dessa última história

Onde me crio
Onde a jaula do meu leão
Se rompe
Onde corro uma fenda

Na perna,
quase sempre só me restam
rostos-vapor
vozes-tumores
que a memória me cadeou

Há guardado no papeleão
Da minha garagem
Uma janela quebrada
Um cano furado
E uma lâmpada lascada

Há na garagem de mim
Caixas abertas varais enozados
E perdas de tempo

Há cavado na minha unha
As sujeiras e os apreços

Há a covardia impregnada
nas portas erradas
que eu insisti em escancarar
para ver a visita de perto

Há nos fundos desse porão cadeado
acasos risonhos desta incansável
vida de horas mortas

Que por mais dolorida a lembrança
cadeei e encadeei
e o tempo de vida
não me libertou