8/31/2009

Afogamento no mar



A crosta da vida
rua a rua
vai criando a armadura
da minha pele

sal
suor
e terra

eis o íntimo do andarilho:
duas maçãs nas mãos
olhar cheio
de felpos
farpas

e uma luz tímida

cheia de camadas

que impulsiona

e afoga

8/21/2009

Miosótis


E diziam para ela:

-Venha aqui!

Estenda a esteira
no jardim
exponha as borboletas
no quintal

grite alto
e grite fundo!

Todos mereciam

ouvi-la
admirá-la

Mas ela era solitária
e silênciosa

nuvem delicada
que desenha o céu

um miosótis no canto
do quintal
pérola pequena
e cintilante

inesquecível
na timidez
miúda e doce

de sua voz.


*Para Graciela Kruscinski

8/18/2009

Carta para o Descaso



Rostos empalhados
na prateleira

coleção de lascas
em formol

peças e trapos
em conserva

Esta cerâmica
da sua pele
me arranhou

é pó o fim

apenas um sorriso
sobrevive
ao maremoto
do "não"

Um dia você sonhou
ao me ver
no espelho do seu olhar

braços de dragão
calor por todas as frestas
orifícios em vulcão no corpo

franjas de ondas
em frenesi
luzes na montanha

tudo se dissolveu?

A flor que você trazia
na mão
se dissipou
no vento da minha
chegada

e o silêncio
me corta
me cega
me dói

Um dia você voltou as pegadas
para me pegar no colo
desviar o seu caminho

caindo no meu


um dia você me quis pra sempre

e nunca mais



*Performance com lebre morta de Joseph Beuys

8/17/2009

8/11/2009

Vídeoperformce



O limite da borracha.O limite da água. Quem vence a imensa alegria entre nossos corpos?Quem vence o estouro de um copo com gim?vinho? Ventre. Peito Atravessando os tambores.Acordes tocando os pelos do corpo.O gozo.O vermelho derramado.

8/06/2009

Fim*


Nossa história:um entardecer lilás e vermelho.Salvo as tempestades, tudo começa com paisagem.No fim, sujos do lodo de um pântano, choro como se a flor morresse e no jardim de maio uma máquina gritasse desfacelando toda grama, todo grão. Pondo fim as matas fulgorosas da memória. Um imenso deserto nos separa.Serrote, barbante e pedras empilhadas na porta. O preço de um sentimento, o peso de um perder.Roupas amarrotadas no gancho da rede. Terra espalhada pela sala de estar.Vasos quebrados.Amarração.
Entre duas rodas um sonho é sempre um sol.
Abre as janelas para esta dor passar.Passar você.Suas pequenas mãos sujas de graxa me oferecendo um lírio amarelo.Seu olhar curumim.Seu corpo proibido pelos sentidos, corrompido pela moral de uma raposa.Nós dois:um amor e um nó.Uma faca.Muito cega para cortar, muito pontuda para não matar.No fundo do buraco: a vida. E a tortura obscura do fim.
E tudo isso
escrito no espelho, com batom.


*Dedico este texto ao meu amado amigo Enzo.

8/05/2009

Lilás




Na água me enterro
e descorro

serei nova ou velha
a índia escondida
na cortina lilás

do breu

o espelho em pedaço
porta-retrato
quebrado

feridas na pele
agulha e cicatriz

no espelho
só água

e pedra.



Foto: Fernando Angeoletto