10/26/2007

*Olhou-me em cheiro: pelo talo,

tomo o jasmim, arranco-lhe a

-pétala


De branco e pele,

lembro de minha você.


Aperto os dedos: aromas e

hematomas.


Décio Pignatari 2005

Tatuagem* (A Ricardo)

Esta noite,
jardim de serpentes
que me devoram os pés,
vai gerar o amante.
Ele,
sem nome ou tessitura,
ateará agulhas em brasa
e uma única palavra
sobre meu torso.

Fere-me de asas, sim?
Cega-me.
E em torno de mim
apenas o real,
mar de estanho.


*Micheliny Verunschk

10/23/2007

Borboleta








E quando dar a vez a um sonho. E tudo se confunde em poder ser inteiro aquele arco-íris sonhado.Fatos correm e afobam-se as labaredas da altivez, desconforto e medo. Um medo traidor de de repente a luz resplandecer. Como ser um pano límpido?Sacolas de lixo rugindo a escravidão da sujeira. Sujeira entre os dedos e as palavras negras. Migalhas de respiro, suspiro e descanso. Unhas de lince, pernas roçantes, e pêlos desconcertados. Cabelos, cabelos, cabelos. Sujeira entre as coisas más e um sentido de carinho pelos objetos.E se de repente tudo pudesse ser mesmo o primeiro impulso. Muitos tapas se dariam. E talvez muitas mortes. Muitos escândalos. E se eu pudesse ouvir toda a verdade? Mas talvez o sonho fosse tão possível quanto o fracasso, mais comum no impulso. O impulso de querer, faz parar o ar da caravela de existir. A caravela pára, lança âncoras e assegura o ser. O primeiro impulso tem a maior força do sonho. O impulso não se desgasta. Passa. Possível. Talvez o sonho fosse mais possível como um pavão que se abre em cores, foco, luz. Mas o que parece só um erro de caminho se fortalece e o monstro da desternura e do orgulho vencido toma maior forma. A forma de um ferro disforme em brasa. Se exposto, queima. E quando mesmo assim a ponte da vida com seu pavão resolve abrir alas?Você vai ser o próximo a seguir o caminho do arco-íris, o arco-íris que certamente você obstinou toda a caminhada? Você criou. Criou o segredo.Você também criou aquela ameba do canto da sala?Aquele ser quase vivo? E quando a conta vira papel e seus cálculos acertaram todos os seus erros. Um erro verídico. Quem está disposto a perdoar? E se você dissesse o íntimo. A verdade mais crua e cruel?E se nunca mais pudesse fingir? E se não quisesse fingir?Falo com muitas vozes.Muitas vozes. Conheço alguma das suas.E se de repente eu pudesse tirar de uma vez por todas essa máscara?

10/17/2007

Turquesa o que não é



E quando de repende todo o azul começa a transbordar. Você começa a derreter em palavras e a imersão de um choro toma uma forma de cor. A cor que alucina e elucida entre meu seu corpo. Eu não queria muitas vezes falar. O medo brota de uma outra vertigem, como o sangue. Começa a correr na veia, mais que uma vontade, mais que um querer de buscar estrela. Sim, eu apanharia mais que uma contelação por nós dois. E estou entre os corais, e estou entre o vento que me toma e a parte muitas vezes que queria descorrer de mim. Já não tremo. Não corro. Nem absolvo a conduta de niguém. O tempo e sua assombrosa carroagem, não passam, voam, acendem, plainam me apalpam. O tempo me provoca como uma bebida que espalha o sangue. o sangue, sangue. Sangue azul neon, sangue lilás, sangue que corre entre o seguro e o desequilíbrio. Eu sou uma sombra que tenta,tenta tremer as bases de uma nuvem. E sou a réstia fina de chuva que se embaraça no céu. Olhe para lá, para o céu além, para o azul derretido que vem inundar.Inundar a perdição de nossos quereres mais bifurcados.

10/10/2007

Nota de Falecimento

Hoje sou essa mulher que chora.Chora.Mulher que despe em água água água todas as coisas. O tremor de todas as coisas. A sua luz que não dormiu acesa no meu colo. Eu esperava que você pudesse me tirar daqui.Minha crosta está aumentando. São planos que deram errado. Quantos você sonhos fracassados você tem colecionado na cama?E no penhasco?
A sua morte repentina. Quem é você que se atirou do 12º andar?Quem te ensinou a não rir das coisas que são longes e pequenas. Quem é você que morreu com um fuzil de dor?Qual das que foram você decidiram tentar voar?
Seu pés percorreram o alambrado. Sua boca correu pontes e atravessou a história de todas as palavras. Seus olhos enxergaram tanto, tanto, que se assustaram. Quem é você que não pode me dar a mão?Muitos pediram para você não tentar. E seus braços que abraçaram galhos, subidas ao cume do deserto abafado em que o todo se alastra. Olhe para mim. Eu preciso dizer que sua risada ausente, muitas vezes me preencheu. Que embora longe, o que é desconhecido também fascina, também carinha, também deseja bem. Seu sorriso me sorria sem saber que eu gostava.E não pude dizer.Você podia voltar para um abraço? Eu ainda choro sua ida.Você começou a brotar asas, antes mesmo que eu dissesse que era um anjo bêbado. Anjos bêbados não tem medos de escadas, de linhas, de cordas bambas. Anjos bêbados procuram o sorriso que o palhaço assustou. Anjos bêbados não tem vergonha de rir, anjos bêbados não tem vergonha de não saber, de estar fora. Anjos bêbados nos encontram pelo corrredor e nos convidam a sonhar na esquina, anjos bêbados nos acompanham em nossos anoiteceres sem luz de fim de túnel. Anjos bêbados nos procuram por detrás da cortina, nos oferecem um copo, nos fortalecem e depois escondem as asas. E quando você foi tentar voar. A sombra dos eu corpo que me apavorou, a sua imagem fica pulsando todo o tempo. Ninguém pode tocar a sua camada mais densa, e você quis pular aquele enorme buraco. E você só queria chegar a ver melhor, e você só queria sentir o vento da lei da gravidade. E você queria se equilibrar na corda, no alambrado, na alma . E você só queria tentar usar as asas que estavam brotando, e de repente você poderia me dar a mão. Os seres pela metade nos acariciam. Eu esprava qu você pudesse me tirar daqui

mas antes de pular esse abismo

deixa eu dizer que estou vendo a sua auréola

cintilar entre os olhos e o óculos

e você só quer mesmo

tentar voar

voar

voar

vo




a

r

para o céu lugar.

10/02/2007

O homem e sua casca

E tinha uma casca que envolvia. Era mais grossa que a casca de um ovo de pato. Ele pensava que ninguém percebia. Por isso vivia com a faca na mão. Uma faca que conseguia sujar toda a luminosidade de suas esferas brilhosas, que lantejavam e lantejavam o caminho, quando ele agradecia a vida. Sim, só quando ele agradecia de estar ali, estar ali, simplesmente. A casca as vezes, não deixava se misturar. Esse era o porblema. Aquele enorme deserto ao redor, só fazia com que a faca ficasse mais pontiaguda, mais cheia de fio para cortes profundos. A faca já ia enferrujar, alguns pés de jabuticaba nasceram ao redor. Mas ele não se mobilizava. Achava que a jabuticaba é quem tinha que ir até lá, ser cortada pela faca.De longe, a criatura ouvia os conselhos, tinha vezes que guardava a arma. Mas tinha tanta raiva de si, tinha tanta lama e uma vontade de nao mostrar tão grande sua escuridão que mergulhava no medo e o orgulho por detrás do medo exasperava e se espalhava por todos os cantos, os mais escondidos. Orgulho derramado toma todo o espaço, amedronta e é claro, intimida. Como a faca. Quando resolvia se mexer andava sem as mão no bolso e sem nenhuma oferta para ninguém. Ele achava que ninguém deveria esperar algo dele, ele que era cometa e se pensava menos que uma lagartixa. Mas ao olhar tal belezura e sua casca fina, todo mundo queria arrancar o véu, divulgar a simetria envolvente de seus traços. Mas a criatura mal sabia de sua prisão-casca. Mas a criatura nem sabia se ao arrancar tal pele, não pudesse, por acaso se ofuscar com a luz. A criatura, mesmo imobilizada por aquela segunda pele andava com um olhar insistido de não ter solução para respirar. As vezes pensava em se solucionar, e quando era tomado por isso achava que tinha de mudar de lugar. Mas era preciso mudar o seu lugar consigo, para dentro. Mas logo saía a criatura e sua casca impregnada desbravando novos céus.Em outros lugares, a casca ficava mais fina, o medo diminuia e o orgulho ficava preso apenas a fazer feliz os outros, um orgulho de ser uma criatura boa.As vezes o que estava afundo, resbalava e ele conseguia arrancar a pele e profurar lá dentro de si a faca. Achava que cortando ia ser a solução. E quando se revoltava, colecionava o nome dos ofensores e a cada um, de um jeito, feria de maneira brusca, mudando nomes, violando moradias, escolhendo o melhor discurso que deixasse o outro se sentindo menor que ele. Ele e sua casca de poder.Não dividia os medos. E quando a vida trazia flores, ele cuspia de volta pela janela. Achava que pisar em um presente mataria uma esperança em alguém, esperança essa, que ele no fundo não sabia como alimentar. Recusava os presentes, porque nao conseguia ser feliz ao lado deles, dos presentes, dos presentes. Daqueles presentes que a vida já havia dado, presentes com bocas, presentes com falas, presentes com abraços, presentes com saudade, presentes que sempre viram o homem e sua casca como uma surpresa que chegava por debaixo da porta.