10/02/2007

O homem e sua casca

E tinha uma casca que envolvia. Era mais grossa que a casca de um ovo de pato. Ele pensava que ninguém percebia. Por isso vivia com a faca na mão. Uma faca que conseguia sujar toda a luminosidade de suas esferas brilhosas, que lantejavam e lantejavam o caminho, quando ele agradecia a vida. Sim, só quando ele agradecia de estar ali, estar ali, simplesmente. A casca as vezes, não deixava se misturar. Esse era o porblema. Aquele enorme deserto ao redor, só fazia com que a faca ficasse mais pontiaguda, mais cheia de fio para cortes profundos. A faca já ia enferrujar, alguns pés de jabuticaba nasceram ao redor. Mas ele não se mobilizava. Achava que a jabuticaba é quem tinha que ir até lá, ser cortada pela faca.De longe, a criatura ouvia os conselhos, tinha vezes que guardava a arma. Mas tinha tanta raiva de si, tinha tanta lama e uma vontade de nao mostrar tão grande sua escuridão que mergulhava no medo e o orgulho por detrás do medo exasperava e se espalhava por todos os cantos, os mais escondidos. Orgulho derramado toma todo o espaço, amedronta e é claro, intimida. Como a faca. Quando resolvia se mexer andava sem as mão no bolso e sem nenhuma oferta para ninguém. Ele achava que ninguém deveria esperar algo dele, ele que era cometa e se pensava menos que uma lagartixa. Mas ao olhar tal belezura e sua casca fina, todo mundo queria arrancar o véu, divulgar a simetria envolvente de seus traços. Mas a criatura mal sabia de sua prisão-casca. Mas a criatura nem sabia se ao arrancar tal pele, não pudesse, por acaso se ofuscar com a luz. A criatura, mesmo imobilizada por aquela segunda pele andava com um olhar insistido de não ter solução para respirar. As vezes pensava em se solucionar, e quando era tomado por isso achava que tinha de mudar de lugar. Mas era preciso mudar o seu lugar consigo, para dentro. Mas logo saía a criatura e sua casca impregnada desbravando novos céus.Em outros lugares, a casca ficava mais fina, o medo diminuia e o orgulho ficava preso apenas a fazer feliz os outros, um orgulho de ser uma criatura boa.As vezes o que estava afundo, resbalava e ele conseguia arrancar a pele e profurar lá dentro de si a faca. Achava que cortando ia ser a solução. E quando se revoltava, colecionava o nome dos ofensores e a cada um, de um jeito, feria de maneira brusca, mudando nomes, violando moradias, escolhendo o melhor discurso que deixasse o outro se sentindo menor que ele. Ele e sua casca de poder.Não dividia os medos. E quando a vida trazia flores, ele cuspia de volta pela janela. Achava que pisar em um presente mataria uma esperança em alguém, esperança essa, que ele no fundo não sabia como alimentar. Recusava os presentes, porque nao conseguia ser feliz ao lado deles, dos presentes, dos presentes. Daqueles presentes que a vida já havia dado, presentes com bocas, presentes com falas, presentes com abraços, presentes com saudade, presentes que sempre viram o homem e sua casca como uma surpresa que chegava por debaixo da porta.

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