12/23/2008

Último Andar



Alguém está descendo
a escada
na escuridão desta casa


no degrau:

roupas
rasgos
palavras
e pétalas de gerânio branco
Quem escondeu a sua voz
dentro deste travesseiro
do amanhã?


No nau que parte

diante de minha alta janela


vai esse pergaminho
com notas japonesas
desenhadas para o seu corpo


Eu só consigo ver você
de longe


Entre as submersas amarguras
essa mala
esta música
cantada apenas

dentro do mar
partido

12/18/2008

Samba (para Leandro Fortes)

Roda o passo
a flor
do terraço

da vista
visita de aperto
abraço

saudade

te jogas em ondas
fixa, almeja, anda,
faísca
dia-dia

é um medo chamado nostalgia
sai meio a tardinha
volta depois de três dias

um cactus
meu improviso
é a falta do nosso sorriso

o que pode ser de nós?

até um dia
do terraço da vizinha
vem e acena
nossa vida em fotos
cartazes de alegria

até um dia
perdão
o peito arde
mas eu preciso de razão

sinto saudade
do mil e novecentos
dos três e cinquênta
do porre

do passe
do xote

Rodo e passo
é a flor do perdão
no meu terraço

12/12/2008

O sol da linguagem: Hilda Hilst


Hilda Hilst: Nome escrito entre os montes de areia fina, nome de jangadas e canoas do futuro poético. Imagine daqui a dez, vinte anos (quando o mundo a descobrir mesmo), uma frase de Hilda em placas, barcos, jangadas:

"A vida é crua. Faminta como um bico de corvos. E pode ser tão generosa e mítica: arroio,lágrima,olho-d’agua,bebida. A vida é líquida"

Fernando Karl a entrevistou , e essa passagem é linda, não tem como passar reto:

Fernando José KarlPara terminar, rápido e rasteiro – qual o mistério dos mistérios para você?
Hilda Hilst – Eu penso que seja a paixão, a nostalgia da paixão, que é terrível, mas que, por outro lado, faz você revivescer. Para mim, me apaixonar com pudor era uma coisa maravilhosa. Mas, até mesmo nas minhas fantasias eróticas – e eu estava sempre só quando as tinha – eu ansiava por uma imagem e, vocês sabem, ansiar imagens é infernal. Você não sabe qual imagem vai olhar sua decomposição na velhice.
Eu desejo que quem me olhe seja meu cúmplice, cúmplice de minha sina.



mais em: http://nautikkon.blogspot.com

12/11/2008

Restos de uma enchente

Os buracos abertos
os canos que não foram rebocados

os canos cortados
amputados

em uma parede
sem história


Que desta massa de contrução
nasça uma rosa

que nesta enchente turva
dance uma bailarina vermelha

que as frutas brotem

da terra podre

Mentirinha- para Bento Nascimento

Vê,

não foi tão difícil assim
se mostrar para o mundo

de mentira em mentira
a verdade veio ao rumo

de frente
com essa sua mania
de não responder com o peito

a palavra soou
uma relação cordeal
que dançava
no nariz do pinócchio

acreditamos
você e eu
que essa história
de deixar para depois

era uma mentira
disfarçada
de covardia

Álbum Vermelho



Os pensamentos voaram e chegaram até a sacada da casa.
Peguei um pensamento-pergunta: "onde estão seus cadernos de poesia?

Ficou ecoando no ar a interrogação.

A verdade é que o tempo foi passando e fui deixando o costume de ter um caderno só de poesia, como antes....Claro que os cadernos "'só de poesia" continham também foto-poemas, capas de filmes, imagens de revista, folhas de laranjeira, e pequenas mudas de jasmim, entre as páginas.

O fato é que com o espaço virtual,tudo virou uma só camada imersiva, que ainda, não possui cheiros nem raízes secas para povoar a página.

Como sou um bicho meio do passado, que queria ter vivido no tempo do rádio, resolvi lapidar meus cadernos de hoje, que parecem mais rasuras do que aquela forma bonita de se pensar poesia, no toque, na terra.

De uns três anos para cá, meus cadernos poéticos estão poluídos com lista de supermecado, contas para pagar, receitas médicas, dias que não posso esquecer, horas que tenho que cumprir, nomes de artistas, endereços de internet, cartazes removidos das paredes da universidade.
Ás vezes olho os grafismos feios no caderno que parecem mais arte rupestre em plenos tempos de evolução tecnológica.

Na correria do tempo, e na luta por mais tempo para criar e para menos racionalizar, muitos exercícios e inspirações da rua, do movimento, em que a caneta e o guardanapo são as única ferramentas, ficaram para trás, em meio às contradições da sociedade moderna: tempo é dinheiro, tempo não volta,
mas fique na fila do nosso Banco.

Na tentativa de lapidar as pérolas nascidas do lápis, do gesto e do papel, recuperei três cadernos do limbo, e farei um olhar "infravermelho"para coisas pré-nascidas e deixadas para trás.
Coisas vermelhas, com um álbum virtual do passado. Já que escrever à mão anda me cansando e esta hospedagem virou meu campo de vôo.

O futuro é feito de lembranças virtuais.

12/08/2008

Bilhete promessa



Meu amor. Acabei não resistindo a vontade de deixar esse bilhete. A geladeira é o primeiro lugar onde sua preciosa mão pousa pela manhã.
Ontem você escondeu as chaves de novo. Quase perco a hora do trabalho. Parece que faz pra implicar comigo.

Prometo procurar você novamente apenas quando estiver com o sorriso de ontem. E com a mesma maçã nos olhos. Prometo pegar na sua mão e não deixar você sentir medo. Vou te abraçar enquanto você dorme,e preparar o café.Quero perguntar com quantas pessoas você falou no dia, quem ajudou, brincou ou cruzou o seu caminho.
Quais foram as cenas entre as horas monótonas do serviço que mais desconcertaram seu programa . Prometo lhe dar flores, e preparar a máquina de lavar.
Estender os lençóis,dar comida para o gato e ligar quando estiver doente.
Prometo pisar de mansinho quando descer a escada para beber água,no amanhecer frio da sua sala sem tapetes.
Prometo preencher a casa de girassóis, e esperar você terminar de falar a frase inteira, o pensamento como um todo.
Sim, prestarei atenção quando você se emocionar para responder alguma pergunta de família.
Quero ver todos os seus álbus de infância.
Prometo suspirar ao ouvir a sua voz.

Mas meu bem, não me ligue pela madrugada
e nem me incomode, esperando devolta
as cores que pintei sua vida

Não chore quando eu for
e não me pergunte
se eu senti saudades

quando voltar

12/06/2008

Liana Keller

http://lianatrapo.blogspot.com/

12/05/2008

Espetáculo Trêmulo O Corpo Som do Poema








"O que sou está acima da linguagem,
mas como posso escrever sem mim?" Clarice Lispector

12/03/2008

Silas Simplesmente-porque o humor é o melhor remédio

Zeitgeist II

Quero uma
explosão
ser tomada por um acontecimento
uma queima
de arquivo falso

a interrupção de um assalto

a apatia das cadeiras
em ordem
as fileiras e os padrões
a frieza do sobreposto degrau
do mestre
me faz rir

é frieza e didática
a dialética

os seres desumanos querem
emoção
cobrança de notas
papéis quadriculados
por presenças
maquiadas
disfarçadas

quero a força intensa do quebrar
melhor

fazer parte de um lugar
onde as pessoas podem falar
foder
orar e pintar

sem terem de apontar o dedo
para o reflexo

quero essa criaça cor-de-rosa
correndo entre as pernas
de seus pais

e que ela possa conhecer
tudo verdadeiramente

que possa se estender
entre as águas da cachoeira
conhecer o mar
olhar a janela de sol
e poder escolher
se deve ficar ou cumprir
ganhar ou perder
ser frágil
quebradiça e sem vontade

ou

ser bruta
ferro derretido
canina

possuir
ou perder
não ser indicada

quero sair do muro
e não ser
revistada
estapeada, cuspida,
encaixotada em um padrão

quando não fiz isso à ninguém


Não mereço estar de frente
para esta esta tela

por trás dessas imagens
ameaçadoras
um revólver
vendido no mercado

quero explodir no acontecer
e não na mesmisce das
notícias vãs

quero poder saber
se quero
prevenir

ser o que não sei
se sou

pois estou andando

e apenas
quero continuar