5/17/2007


Confissão

Estou trancada. Não force a porta.Estou desfocada em um só foco. Eu só vejo um sorriso, mas não é o seu. Eu queria te gostar.O seu sorriso é lindo. Você fala bem, você encanta, mas eu estou trancada ainda.Você pode entender? Eu queria amar você, eu juro que eu queria.Você parece me amar tanto.Mas meu peito arrebenta em outra voz, outro rosto, outro hálito. Você seria capaz de entender que eu não posso escolher?Eu gosto ainda de um gosto passado.Um gosto gélido e parado atrás de uma camada de cera dura. Vê, meus cabelos ao vento a dança de tantas partes do meu corpo, escondem o meu cárcere por um sentido ainda. Fico sentindo, torcendo, orando justamente por um membro que me joga no chão, me faz asfalto, me corre uma rua, me arremessa brita, pedra, cimento, e me deixa à deriva sem resposta. É vergonhoso. Eu sei. Estou trancada, mas a festa é sua. É seu aniversário? Ou é bodas da sua mãe?Eu não sei. Há cálices de prata nas mesas, e muitas pessoas rindo. A toalha é de rendas.Há mulheres envoltas de pluma e em cima de agulhas. Há portas de vidro e gravatas.Ar condicionado. Jardim. Arbustos. Há fartura sobre as bocas e muita bebida em álcool. Desculpe, é sua festa mas antes entrar tive um lapso de memória que me arruinou. Antes de atravessar o salão e te dar “parabéns”, eu fiquei tonta por descobrir mais uma queda dos meus padrões. Mais um fracasso.Você me perdoaria se eu chorasse aqui mesmo? Você se importaria se eu fugisse sem querer voltar? Desculpe, hoje eu não consegui fazer você feliz.Eu vou ter que caçar o dono da minha dor.Minha dor. Quem é o culpado?Tenho que achar agora. Eu vou atrás, eu vou me render..Não! Eu vou!Eu vou...Eu vou. Eu vou..Eu vou!!!Eu...Eu...Vou pular a janela do banheiro, pode? Vou atrás de quem me trancou.Onde deixei a minha chave?Por quem me deixei trancar?Por que eu deixei a chave entrar? Por que ainda estou em um foco desfocado, indeciso e sem compasso?Por que estacionei meu sentido de querer maior aqui?Se já andei quilômetros, já visitei parentes, já percorri algumas ondas do mar, passei horas sem nada o que fazer, li auto-ajuda, plantei uma árvore e publiquei um livro.Falaram que ia passar. Disseram. Eu juro. “Isto não é nada, não significou nada, é nada.”Sim, o nada tomou uma forma cheia de si.Um nada cheio de muito. E isto latente e me trancando no mesmo lugar.Passe dor. Passe pela ainda sobreviva fresta da janela, apague-se.Onde foi parar a luz?Me Parecem quatro paredes. Um quadrado.Um muro alto ao meu redor. Quatro paredes pixadas com todos o seus detalhes de pele, seu acordar sonâmbulo. Com toda a lembrança viva dos seus olhos em riso. Com todo o roteiro da sua vida de cor, com todas as notas dos seus movimentos, com todo calor entre seus braços.Já faz tanto tempo. Mas em mim não faz. Por que?Eu ainda revivo em você?Por que o meu tempo interno e o tempo da lembrança não se alinha ao calendário?Eu. E esta entoação do seu nome.Eu. E você um mantra aqui. Eu. E essa imensa distância da incerteza do seu sentido. Eu.E esta dúvida corrente de ar que passa, e não me volta o ruído do seu respirar.Eu gosto dele.Do ruído seu. Eu e o martelo das cordas em ressonância da sua garganta. Eu. E o seu prazer em mim. Eu, entre luxuosas damas e medidas com uma saudade arranhada de você. Eu e estas pessoas falando e a vontade de saber você.Eu e esta festa que se abriu como uma fresta de luz, enquanto estava trancada no escuro. Eu e esta certeza de que você não é o dono da festa, nem convidado.Eu. e essa certeza.De que você não pode chegar. De que você não vai chegar. Eu e certeza de que você não vai trazer as chaves.

Homenagem à palavra e os palavreiros especiais-Tatiana Cobbett


Palavreados
Palavrados
Em palavreados...

Palavreira como só, Tatá ou Tatiana Cobbett* para os desconhecidos ainda, é uma brincalhona brilhante da palavra. Faz e refaz, intriga, reserva, deixa uma dúvida, provoca. Para todos que abrem os olhos para este blog, prestigiem, dancem e cantem à leveza das contruções desta bailarina com asas no corpo e nas palavras...Salve salve sol Tatá!



Linha que eu Passe


Olha meu amor


Quero cantar para você


esta canção que aprendi


faz poucos dias





Olha meu amor


empresta atenção


fala de nós


nosso senão


vem


retratado na harmonia





Longe de você


não dá, meu bem


posso esquecer


o seu olhar me iluminando


por inteiro





Perto


não convém


olha meu bem


ora paixão


ora desdém





Impasse


é fogo cruzado



___________________________





Altercação



Como assim?


Meu olhar enfrenta o seu


Você nega


sai de mim buscando outro


Chama


isso sim


de novo





Me esnoba


sobe


desce


minha escada corredor


Encurralados





Sei


redimindo seus anseios


fico eu


sempre a culpada



Um tudo e nada


Que quando


efetivamente


perdermos


é que


resolveremos


tal parada


____________________________________



Vicinal



Se soma


Par(e)ser


Diminui



Ah!

As diferenças



Com a poda


Já crescida


Raiz


Aguerrida


Suga as avessas


Seiva


Que é própria da vida





Poria fim


Nossa angústia


Fosse possível


Negar


Como se o antes não tivesse


Como se o agora se repete


Como se o nunca


Não houvesse





Poria sim


Nas alturas





E tudo


virá pelos veios





Veias vicinais



___________________________

*Bailarina, compositora e cantora. Formada pela Escola de Danças Classicas do Teatro Municipal do RJ, trabalhou 12 anos no Balé Stagium, cia paulista, percorrendo o Brasil, América Central e América Latina. Autora/Inteprete do Musical "Mulheres de Hollanda" com Direção de Naum Alves de Sousa. Direção e Concepção dos Espetáculos Alma Flamenca, Grito das Flores, Esta Terra Portugal, Festival Três Bandeiras, Partituras da Itália nas Vozes do Rio e dos Shows de Badi Assad, Carlinhos Antunes, Tutti Baê, Janet Machnaz, Joel Brito e Nara Lisboa, entre outros.Hoje desenvolve em parceria com o músico/cantor/compositor gaúcho - Marcoliva - um trabalho de composições próprias com o Cd Parceiros como primeiro testemunho desta jornada - e mais o livro Básica Composições - ambos podem ser encontrado na www2.livrariacuritiba.com.br - visitem nossa página - www.sonoraparceria.com.br

5/09/2007

Para um bebê chorão.Daqueles que ficam tocando a mesma nota infinitamente.

Você tiraria os dois tufinhos de algodão das orelhas, e me ouviria mais uma vez?Bebê, até os defeitos são cor-de-rosa. Os meus e os seus, não se engane.Você não pode ser tão diferente quanto se compara.Você sentaria num banco à deriva ao meu lado?Você seria capaz de ver meu algodão sujo, mesmo que eu me fingisse de borboleta?Ou você prefiriria a ilusão? Ninguém é de pedra bem, e também ninguém é feito só de nuvem branca. Nem você, viu?Você poderia se calar?Você poderia calar até seus pensamentos de cobra coral e se colocar ao meu lado para respirar o sentido? Minha dor são esses gravetos que você fica escolhendo para pisar. Eu também quebro, ou pensa que só porque você finge, eu também seria capaz?Aqui está o meus quebrados. Me dá um tempo de eu colar os cacos?A minha dor silenciada é a mais viva em mim. Embora você não queira ver. Embora eu arranque a venda, e você fica perscrutando os óculos pelos cantos. Você vê o que quer ver.Do que eu falo só bem entregue, sem essas analogias e filosofias, sem as algemas do medo e sem os cadeados ocultos ao homem racional, você pode saber. Eu quero ver você.Não suas linhas, nem sua forma bonita. Também não é porque eu gosto dos seus olhos, que eu não posso ver sua negritude. Mesmo em meio ao mormaço rubro, eu vou perder a chance de sorrir para o que de belo ainda tem em você?Me poupe.Faço isso o tempo todo com a vida, desde que eu conheci um pouco da essência das coisas.Me dá licença de eu escolher? Nada é tão mal. Até os dentes de uma onça, sem morder, apesar de terem mordido e até levado à morte, são belas presas.Bebê, você precisa viver comigo sem a bigorna. Eu dôo às vezes. Às vezes eu dou um tapa. Você está disposto a me ver?Eu tenho nódulos, furúnculos, perdas insuperáveis, lutos de todas as cores e crateras na pele. Você está disposto a pôr a mão?Não fique falando daí o que você não viveu por inteiro.Não tire conclusões. Por maior a sabedoria, sem a vivência, sem a entrega não vale de nada, nada. Do que adianta a mais aberta ferida escancarada aos seus olhos se você não pode ter compaixão?Se você não está disposto a se render?Que adiantaria essas palavras destravadas do mais lixo de mim, se você não pode apenas chorar comigo? Bebê, até a mesma palavra vivida e gozada, pode ser uma dor minha. Rir também é uma superação sabia?Um esforço de contra. No maior barulho também está impregnado o silêncio que quer plainar. Eu também busco um pouco do que não é meu, a diferença está que eu não luto contra, quase todas as coisas que são minhas, se não são, eu quero ser um pouco.Eu dou espaço. É bom ceder, bebê.Ser como um vento ou uma água que se molda ao recipiente atual.Eu queria muito o que você quis para mim. Mas eu não consegui.Dá licença de eu ser defeituosa por opção? Dá licença para eu ser suja como a graxa quando eu quiser?Eu nunca comprometi ninguém na minha lama, você só pisou o pé porque quis.Me dá licença de o meu amor ser bruto, cru e denso? Se eu não aprendi a voar, de onde é que você vem com essa de me colocar asas?Dá licença de eu ser um germe perto de você que é tão capitão?Dá licença de eu entrar sem limpar os pés?Bebê, eu não sei te fazer melhor, porque eu não sei nem me fazer melhor. Você pode me pedir algo que eu possua verdadeiramente?Você pode largar a idéia de querer ser sempre um modelo pra mim? Bebê, me desculpa se eu não sei. Se eu não consigo. Se parece que eu faço pra implicar. Me dá licença de passar sem ter que encarar as suas flechas? Bebê, eu não estou pra guerra. Estou pra ser. Me deixa ser? Pode ser em outro lugar?Me dá licença de uma vez?Felicidades, pra você, nhe nhe nhê.

5/07/2007

Carta de despedida para um casal

É sol. E no meu rosto é uma tempestade.Vai com ela. Vai com ela. Aqui em mim, será o mesmo tempo sempre. Acaso um dia ela pode ter o meu cheiro ou o meu cabelo que se emaranha nos nossos corpos?Acaso será ela, dividirá a mesma dívida, a mesma dor?Ela acordaria para passar a mão no seu rosto quando você chora? Acaso agora ela poderia lutar pelo seu sonho, como um dia seu sonho era o meu sonho?
Vai com ela. Em mim há muitos nós, muitas tranças.Se um dia você ficasse saberia as alegrias e as tristezas, porque eu te dei um cristal, mas quebrei peças, rasguei concertos, sussurrei errado muitas notas da sua ópera.
Eu desviei seu caminho, te dei algumas rasteiras. Mas eu juro que tudo foram chagas plantadas na minha fala, na minha respiração. Enquanto você ia, eu te puxava. Enquanto você ficava, eu te amarrava. Parece que eu sou você. Parece que entre o meu querer e o meu querer te ter, o te ter me parecia mais seguro. Mas eu não te tenho mais.Você rasgou minha calcinha também. Mas eu te perdoei a ausência, perdoei tanto que queria voltar. Mas no seu olhar está a ida, com ela.Talvez pela sombra, ou pelo rouge, ela pareça mais qualquer coisa. E eu, depois do tempo gasto no calendário abatido, do tempo gasto cotidiano e tão mesmo em sentidos, ainda sou a mesma. Até porque foi eu quem mandou você ir. E quando se vai, a ida tem uma coisa com o vento. O vento nos sopra quando estamos indo sem a certeza de chegar a algum lugar. Porque a certeza é o destino que o medo tenta resgatar. Sem a certeza o medo se aflora e a dúvida que no início é aterrorizante vira um estado permanente do ser. E na dúvida, qualquer chão qualquer lugar, é um lugar com uma liberdade de descoberta que só a dúvida pode aventurar.
Agora depois de um tempo eu achei que você pudesse ficar. Porque ter você também é bom.
Mas no seu olhar, no seu olhar está a ida, com ela. E eu só posso dizer: " Boa viagem".