9/25/2010

O monstro da culpa*


Ele é grande, peludo e eriçado. Visita as consciências no início da madrugada. Oferece vinho, não oferece alimento.
É responsável pelos becos sem saída, fins de túneis e postes apagados inesperadamente.
Carrega consigo carrancas, quartos quebrados e anoiteceres alaranjados.
Ataca corrosivamente os fígados felizes e embriagados, puramente perdidos no êxtase da vida.
Assombra os travesseiros e as esteiras cheia de formigas peçonhentas.
Não acende a luz.
É cheio de tentáculos: onipotente, onipresente, onisciente. Eternamente descontente. Quando ele aparece? Quando desaparece?
É uma água-viva turvamente tonalizada, queima. Dança. Uma dança de escárnio.Pública. Um desaforo sem preço, sem apreço.
Cruel.
Ri um riso desconcertante, uma buzina de tropeço, sinal vermelho no baile mais alegre do ano.
Vestido de debutante manchado de lama.
Palhaço raivoso.
Carro atravessando a estrada vermelha.
Uma bigorna, um abismo, um maremoto.

Nuvem. Tempestade. Acidente. Cela.

Culpa: são correntes invisíveis a serem rompidas.

*Feito a quatro mãos: Ryana Gabech e Caio Cezar Mayer

9/22/2010

Ciclo das transemoções.


Movimentar as cascas do que pareço ser.Remover metades, vestígios e resquícios do corpo astral. Desaparecer com as tensões da coluna e do ombro.Libertar com lágrimas um pássaro de uma gaiola de nuvens.Achar a chave para uma mágoa antiga.Encontrar um segredo no cofre obscuro da memória.Lavar as feridas com sal. Curar-se. Esquecer o que não pode ser. Lamentar e fazer, desfazer-se. Colocar fogo em uma caixa de vespas com um litro de álcool: incendiar o amor.Romper.Aliar. Fechar as portas do sim. Abrir as portas do não.Trocar o parafuso, trocar a lâmpada, trocar o sentir.Arrepender-se.Atirar um par de brincos de esmeralda em uma cachoeira de encanto guardado. Guardar alguma coisa só minha.Só minha.Só minha.Deixar essa coisa na cabeceira, perto da janela. Amanhecer lilás.

9/10/2010

Esquecimento fora do prazo de validade



1-Recolher os copos da noite anterior.

2-Desejar pintar as unhas e os cabelos, mudar a vassoura da porta.

3-Passar lavanda no chão.Cera.Cura.

4-Esconder os porta-retratos.Limpeza.Peça.Vidro.Caco.

5-Tentar passar uma porta estreita.

6-Acostumar com madrugada fria e miojo, a pele seca da solidão.

7- Deixar alguma luz acesa ao deitar.

8-Assistir a filmes esquecidos.

9-Se entregar a alguém desconhecido.

10-Fingir que é autosuficiente.E acreditar nisso por um bom tempo.

11- Deixar uma mensagem dizendo que se atrasou demais,

e quase esqueceu

de ir embora.