2/27/2009

Muro-para Bárbara


"Em meio aos trigais ensolarados

Descobri um brilho estranho

Seus imensos olhos castanhos


Acordando"

Perséfone Hades (Bia Unruh)

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Muro


Um dia em que todas as placas

têm o seu nome

essa avenida com suas marcas
passagens para nossas risadas


Seus retratos no outdoor
seus dedos segurando um cigarro
no corredor

entre amarras
flores e palcos

seu cabelo
seu gesto

tudo aqui onde estou
é você


Sentada na quina do sonho

você pula o muro
e me dá as mãos
saímos por entre as plantações
de trigo e arroz

o sol nos abraça



no meu sonho

2/19/2009

Eu leio autores vivos!



Ultimamente ando muito atenta aos prefácios dos livros. Não aquelas críticas chatas que se limitam apenas a transcrever um trecho do poema e as reflexões para ele (ninguém merece), e sim a prefácios de pessoas que ficam (aparentemente) muito tempo pensando no que escrever para tal obra. A obra para mim, é uma coisa muito próxima do artista, até mesmo quando ela é oposta ao que o artista é, mas até os contrários são muito próximos,
então estamos todos em uma mesma panela fervente.

O primeiro livro que chegou em minhas mãos este mês foi o do querido amigo Berimba de Jesus, que lançou de maneira oficial com selo, etc, o terceiro livro tão esperado "Encarna"- São Paulo, Annablume,2008. Coleção Dix Editorial.

A beleza e simplicidade dos poemas de Berimba é um assunto quase encerrado e o "quase" permite à ele continuar escrevendo e andando por aí,
para nos encher os olhos com o seu sorriso poético.

O prefácio de "Encarna" foi escrito por Márcio André,
vou colar umas partes aqui, para saborear:

"Se pudéssemos seccionar e isolar tais vertentes, tendêcias e direcionamentos da literatura ou da arte de um modo geral, chegaríamos a apenas duas atitudes diante dela: aquela (grande maioria) que enxerga no ofício da escrita uma possibilidade de expressão ou afirmação dos valores de quem escreve, deixando entrever aí uma ferramenta ideológica e de consolidação institucional, e aquela onde a escrita é já a própria condição fundamental da vida, de tal forma que o escritor não a concebe possível fora de sua dimensão.Entretanto, é justamente na direção-isto é, aonde levam-que os caminhos se qualificam e o artista se define quanto ao seu papel social e ético.Está em jogo se a obra de arte será sujeita ao indivíduo ou se é o próprio indivíduo que se conformará em corresponder os apelos da própria arte."



"Então, se há neste livro um mérito-e há muitos-, certamente está na busca por um caminho onde a vida e a poesiasejam o mesmo- "vida maior"-, de tal forma que já não seria um autor a escrever o poema, mas o poema a escrevê-lo. A busca por essa correspondência fez Berimba- neste caso, o poeta- concretizar, através do auto-aperfeiçoamento e autocrítica, um terceiro livro maduro, a um só tempo cru e sensível, verdadeiro, direto e sem firulas, como deve ser o olho e a boca daquele que tem a poesia na veia e diariamente mata um leão com as mãos.
Num mundo e numa cidade onde a poesia pegou sólidos vícios de mão única, consolidando técnicas paradigmáticas de polarização e autocanonização, a mensagem subliminar ecoando ao fim deste livro talvez seja: vocês terão que engolir a minha poesia, esta que encarna em todas as coisas. E um livro onde a vida é risco, onde a poesia é risco.Uma poesia viva e da vida e fala por si só.


Agora, três poemas e o link para o blog do poeta:

"anseio
pelo tombamento

das flores de aço

e que de novo se mate

as flores por amor"


"chega a hora de pôr fogo
em tudo

falta você
vir comigo

e olhar nos meus.

disse não?
te ateio fogo também"



"abraço um peito cheio de nós

o amo.

normalmente restaria
um só
trocando confidências por estórias possíveis

no caso praguejo
sobre a falta
que me faz
o que não tenho.


tropeço mantendo

a suposição do futuro."



O livro conta com o projeto gráfico e lindos desenhos de linha de Marcus Binns.

www.berimbadejesus.blogspot.com

2/09/2009

Mariposa



"O meu casulo
avistou o teu
que estava vazio

Já és mariposa?
eis o projeto de meu corpo."

Enzo Potel


Borboleta

Grudada entre os vidros
uma borboleta
dança

sou essa menina sem asas
só cores jamais vistas

no fundo do arco-íris
um pote de formas e destinos
conto os dias
para partir

nunca vou derreter
sou bruta e leve
púrpura e flor

nasci dentro do vento
quando vôo

e quando minhas mãos
seguram as tuas

é purpurina
e primavera

2/04/2009

Poazia



Tragam-me o remédio para a poesia que ainda se escreve. Para as noites que ainda não são manhãs.Para as mãos que ainda teimam em matar, perfurar, extrair e enquadrar. Tragam-me logo o remédio para a modernidade, para o exagero dos fios e dos frios. A cápsula protetora para os ruídos. A janela que mostra o silêncio. As gaivotas ainda soltas no ar. As ruas sem petróleo. A água sem flúor. Tragam-me um remédio que me possibilite escrever, sobre o que não é mais, o mar. Um tranquilizante inspirador, para o que não existe e deveria existir. As flores que já morreram, as flores que não chegaram a nascer. Os abraços nunca dados. Os olhos que nunca se encontraram. Tragam-me um realçador de sabor para o desbotado das comidas e bebidas. E tragam-me também, sem esquecer, o amor em e-mails e mensagens eletrônicas. Tragam-me as palavras-chaves para a reconstituição da alma e da moral, do zelo e do contruir, do sólido e colorido bucolismo já remoto.Tragam-me uma vaca portátil para pastar na minha fazenda.

A desaparecida

Depois de cruzar vinte mares,matar nove onças e percorrer cem quilomentros à pé, com as roupas na mão, e o suor desvirado na pele, um homem a vê e pergunta:

-De onde vem tanta força?

-De uma dor.

Ela responde, e desaparece.