8/29/2006

Imóvel -Para Clarice


Ficarei até distinguir-me. Ficarei no chão de riscos paralelos amadeirados. Ficarei até esmiuçar-me, até nodoa-me, clarear-me, dolorir-me. FIcarei, ficarei, ficarei. Aqui, plantada e pasmada a espera do que não pode acontecer. Ficarei invólucra, cáspita, atordoada, corroída. Ficarei aqui. Esperarei. O homem imóvel se removeu.Vou ficar até me esgotar. Vou ficar até me exaurir. Há três pétalas no chão, não posso consumi-las. Não posso invalidar o sentido de consumir. Não posso consumir o homem imóvel. Posso ver suas mãos, posso tê-las na impossibilidade de o vento as trazer só pra mim. Posso ver os anéis do homem, posso comer o ar, e imaginar os dentes de quem poderia me desejar. Não posso me mover, o homem imóvel pode me deixar sem palavras. Como sairei daqui?Para onde olharei após levantar,?Que posturas devem tingir ao homem pedra esfera, tão certo da minha incerteza?A incerteza é dura como a certeza?A incerteza pode ser de ferro e aço?Ou a certeza é o inexorável cheiro da esfinge?A certeza me assalta de não-certezas.O que eles querem me dizer?Não vou me deixar.Se não, como irei?Estou anônima. Manuscrita. Não me conformo. Parece que não me sou. Estou espalhada.Fora de mim.Ou sou eu?Ou estão em mim todos?Tantos?Ou me desapareço comigo?Tenho que ir agora. Mas não quero.Espalho-me.Estou anônima.O que há?Que se desfolha e clareia. Eu me desapareço.Me perco o controle.Estou sem termômetro. Não posso medir a incerteza, não posso medir a decisão. Ou deveria não ser mais?E o que vou ser se não querer?Finjo.Não posso deixar que identifiquem a minha dúvida.Não quero assumir uma resposta.Não vêem que acabo de me perder?E pareço ter encontrado. Mas estou imóvel, fora de mim. Como pegarei o achado?Como embalarei para dormir o novo?Como darei nascimento a isso se ainda não posso ver o filho?Como posso dar uma vida?Como posso estar certa de que vivo?Estou imóvel e incerta.E ficarei aqui.

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