3/13/2009

*Uma madrugada incapaz de superar crises



"É como dez mil colheres
quando tudo o que você precisa é de uma faca
É encontrar o homem dos meus sonhos
E então conhecer sua linda esposa
E isso é irônico... você não acha?
Um pouco irônico demais... eu acho..."

Alanis Morissette in Ironic





E essa mania poética de ver as coisas
Saudades do que se quebrou
Alarmes para o pó

Convivências noturnas com fantasmas:
Billie, Cássia, Elis e Tom

Filhotes de gato
Estrelas gritando no vazio
Cigarras buscando comunicações de massa

Silêncio impregnado de dúvidas e insônia
Miado no tapete
Unhas roçando no sofá
Preocupações
Gavetas de papéis
Filas
Bancos

Outrora o meu povo era o dançar
E o cacau era minha cor

Barulhos da casa em decomposição
Relógio marcando a hora do levantar
E os pássaros cantando
Entre as buzinas dos carros

Veia sem dono
Carne misturada de cheiros
e gosto pelo verde amplo

levanto para o mundo
querendo o passado
colando as fotos e as folhas do futuro
da mulher atual

lisos cabelos
preocupada
exauta

e esquecida
de mim.


*Acima quadro de Karina Segantinni "Uma mulher incapaz de superar crises" acrílico sobre tela

Rainha da dor



Há uma pequena mancha preta no sol hoje
É a mesma coisa antiga de ontem
Há um chapéu preto preso no topo de uma árvore alta
Há um mastro com uma bandeira e o vento não vai parar

Eu estive aqui antes
dentro da tempestade
Com o mundo girando círculos em volta da minha cabeça
Eu acho que estou sempre desejando que você dê fim a esse
reinado
Mas é o meu destino ser a rainha da dor

Há um fóssil que está preso na muralha de um alto penhasco
(É minha alma lá em cima)

Há um salmão morto congelado em uma cachoeira
(É minha alma lá em cima)

Há uma baleia azul encalhada pela maré baixa da primavera
(É minha alma lá em cima)

Há uma borboleta presa em uma teia de aranha

Eu estive aqui antes
dentro da tempestade
Com o mundo girando círculos em volta da minha cabeça
Eu acho que estou sempre desejando que você dê fim a esse
reinado
Mas é o meu destino ser a rainha da dor

Há um rei em um trono com seus olhos cheios de lágrimas
Há um homem cego procurando por uma sombra de dúvida
Há um homem rico dormindo em uma cama dourada
Há um esqueleto sufocado por uma casca de pão

Há uma raposa vermelha dilacerada pela matilha de um caçador
Há uma gaivota de asas pretas com as costas quebradas
Há uma pequena mancha preta no sol hoje
É a mesma coisa que ontem

Eu estive aqui antes dentro da tempestade
Com o mundo girando círculos em volta do meu cérebro
Eu acho que estou sempre desejando que você dê fim a esse
reinado
Mas é o meu destino ser a rainha da dor

Rainha da dor
Eu sempre serei a rainha da dor
Eu sempre serei a rainha da dor

3/09/2009

Sarahbesco Japonês



+para minha amiga Sarah, aniversariante hoje.


O galho mais torto
o rabisco mais fino
arabescos japoneses
compõem a imagem
do teu filme

troncos e areias
se misturam entre este corpo
que adorna e canta

tu vens salvando
os passos
dos que preferem rir
e seguir

enfeites, cores
flashes
pulseiras tintilam
no ar
quando abres a porta
da casa
e resolves o mundo

Entre teus pés
a fibra de uma madeira
que nunca esfarela

seguro tuas mãos
uma bailarina obscena
nos cerca em todos os girares

estendes os braços
te posicionas no palco

os teus olhos de coruja
recém nascida
e sábia

as palavras
e risadas
saem das calçadas
e dos postes

as folhas abrem caminho
as luzes procuram te presentear
com o horizonte

as ruas sorriem
esperando tua passagem

gelo no copo
água
as palmas se inquietam
e as cadeiras começam
a pular

entre o taco
e as coloridas bolas
és a que mais brilha
sem gol

dona das taças e das festas
de todos os afetos

a noite te chama
e o dia te sacode

para dançar



Blog de Sarah Ferreira

http://saritz5.blogspot.com

3/03/2009

Trêmulo no SESC Prainha!



"Poeta
trapo poeta trapo poeta trapo poeta frigideira e limpador..."

Eba!
Mais um dia para todos prestigiarem o espetáculo
"Trêmulo"
com direção de João de Barros.

Projeto Mulher em Foco

Dia 5 de Março (quinta-feira)
19 Horas
no SESC PRAINHA

Entrada Gratuita

Venha!Venha!

Não Funciona ou Funciona?



por Ryana Gabech

diretamente para o coletivo operante dos maloqueiristas dentro ou fora da cova.


Sete horas da manhã. Banana. Leite. Mamão, aveia. Fim do pão. Vitamina. Pia, água, liquidificador. Botão emperra: não funciona. Sem vitamina.

Poesia funciona? Ou poesia é uma mosca? Nau que vaguei em alto mar, na tempestuosa maré das letras cortantes. Poesia fere? Ou é um balão de ar? Você olha para o alto? Vê letras? Lá vai o balão-poema. Quem encheu?

Esses dias eu vim caminhando para a casa e a perna travou. Eu lembro que quando criança, eu adorava pular muro, galho de árvore, telha, altura. Não dava nada, a perna funcionava melhor. Inclusive tudo funcionava melhor. Até os joguinhos pisca-pisca do sonic, nintendo, essas coisas. A gente apertava uns botões grandes sabe... O dedo da minha criança afundava naqueles controles. Hoje não, meu nintendo virou um mp3, e por incrível que pareça, não funciona.É mais comum entre os ares da modernidade as coisas serem descartáveis. Quase nada mais funciona muito bem. Ou já funcionou? Eu lembro da historia de um amigo, que chegou em casa e viu seu irmão comendo um “ miojo com ki-suco” famosa engronha da modernidade. Depois de alguns momentos de contemplação um deles disse: “ olhe isso!!!O que eu estou comendo? Isto não é um macarrão! E isto: não é um suco!!” .

Bendito insight! Macarrão instantâneo é apenas uma massa de trigo frita e embalada para “reduzir o tempo de cozimento”,e o “ki-suco”...Arf!! Grande playground onde se escorrega em aromatizante. Engronha com título de alimento: não funciona.

Às vezes as coisas não funcionam por pequenos detalhes, às vezes pequenos demais. Como ir acampar do outro lado da margem, atravessar o rio, montar a barraca e esquecer justamente, ou melhor, drasticamente: a caixa de fósforo. Ou se atarefar tanto a ponto de esquecer o aniversário da avó de sessenta anos par a ir à uma reunião da bolsa de estudo da faculdade: no sábado.

Já quando a coisa não funciona porque é grande, é bem mais triste. Com por exemplo doar muitos hectares de terra tomada por reflorestamento de pinos para um índio mbya-guarani (juro que não funciona mesmo, e é bem próximo de todos nós, inclusive daqui).

Parar na fila do correio para colocar um Sedex. Desanimador por si só. Se não bastasse a fila, a pessoa que deseja colocar um sedex deve saber que a embalagem a ser preenchida NÃO é liberada enquanto se espera.Pois, segundo funcionários do Correios, se a pessoa vai embora e leva a embalagem, são eles “ quem tem de pagar”.

Não funciona mesmo. Ê Brasil! Ordem e Progresso."Pogrécio, pogrécio".

Quando a porta do armário não fecha, alguma coisa não funciona. Pode ser o puxador, o trinco, ou a dobradiça. Sempre que algo não funciona, é como se alguém apagasse a luz, ou como se acionasse em nós um fit-back. Passa um filme na cabeça. Tem que parar, respirar fundo. Refletir. Ou quebrar o armário. Parece que o que não funciona, sempre gera uma reação.

É como perder a última peça do quebra-cabeça com a imagem que a você ia colocar no quadro e dar para a namorada pôr na sala de estar, no centro da parede. Dá tanta raiva, que a vontade é fazer a namorada engolir as peças (embora ninguém se permita fazer isso de jeito nenhum). Ou você escolhe simplesmente encarar o fato. Começa a rir e chorar descontroladamente de um jeito bizarro, e decide fazer chuva de pecinhas da janela do seu ap. Tira foto. Faz trabalho contemporâneo.

O que não funciona, desenvolve-se ou desenvolve o espectador. Quantas vezes Ainstein chegou a maravilhosos experimentos? Quantas coisas tiveram que pifar ou acabarem em um desastre, para enfim funcionar? Funcional. Quando algo não funciona certamente nos modifica. E se funciona, a lâmpada acende.

A porcelana, maravilhosa descoberta do séc XVII, foi descoberta por um alquimista alemão que buscava a fórmula da pedra filosofal. A pedra não funcionou, a porcelana, sim.

Então diante de qualquer dinossauro épico que não funcione mais, devo parar?Agir?Ou contemplar?

Afinal sou eu quem não funciona? Ou a coisa em si?Vejamos o lixo. Olhe bem para o lixo: ele não funciona mais . Mas em outro contexto: funciona! Como diria uma amigo: “ lixo não! Matéria-prima de excelente qualidade”. Tudo se transforma. Ou deve se transformar? Então não há erro. Há experiência.

Na verdade o que não funciona é a matéria-prima do funcionar livremente.Então se a coisa era funcional e não funciona mais, ela é livre de sua pequena e limitada função. Ela é livre para funcionar diferente.

E você está livre para funcionar em outra woltagem? Abra a tomada e modifique os fios. Escolha outras entradas. Mude o seu corte de cabelo, mude primeiro. Tudo que funciona igual, não funciona mais em seu contexto. Gosta de samba?Vá há uma orquestra Sinfônica! Só vai ao teatro terça? Vá durante uma semana. Só tem amigos que parecem com você? Faça amizade com um vendedor de algodão-doce.Tome sorvete no inverno. Brigue com as pessoas que você nunca viu antes. Empurre. Puxe. Vire de ponta-cabeça. Mude o sentido. Só gosta de romance? Leia poesia.