7/11/2006

Antúrio dos Anjos anuviados

Mulher,
Quem te sossega esse coração?

Fizeste o berço
Ergueste os braços
Acolheste o desabrigado

Pagaste as contas
Adiantaste o almoço
Tomaste dois comprimidos

Quem te absolve deste estilhaçar
De teus cacos confusos
No chão?

Te esmagaram no piso
A mesma mão que te almofadou
Os pés
Em teus sapatos de cristal

A mesma mão te rondou
breve
que acariciou tua cabeça,
quebrou efêmero e calejado
tuas esperanças empilhadas na cabeceira
do sonho

Não dormiste a espera
Do teu abrigo
Passaste em claro
Unhas e borrões
Perdeste o jogo
Apostaste o pife

A mesma mão que te convidou à mesa
puxou a toalha
e te despedaçou
te deu com o baralho na testa
entortou teu garfo
esqueceu tua sobremesa

Mulher,
há em ti ou no outro
um coração
espreito demais
trancado demais

quem se atreveria
ao te ver tão espinhosa
tocar teu rosto?

Tua pele machucada pelo medo

às vezes pareces pedra
às vezes te redemoinha
às vezes imploras o buraco negro
te penteia
choras em público
te escorregas de dor
e escolhes o dedo apontado
como teu aliado.

Não te sobram quereres
emudeceste o teu íntimo
te faltam forcas para a voz
do novo
não te arriscas
tua outra mesma vida pequena

Mulher,
Tens medo de pular!

O mundo é mais contente que tu
O mundo te parece contente
Enquanto lamentas tua solidão

Queres gritar
Mas não podes,
Há crianças pequenas na vizinha
E a casa vazia pode assustar
Passa da hora em que gritar
É permitido.

A culpa do teu choro és tu


teu espelho do mundo
te enlouqueceu
deste a roupa
deste o alimento

e teu cão te mordeu

aprende mulher
que a vida de um
que de bandeja te fizeste
ao lado

a vida e outros
que de maçã em maçã
ficaste sem o circo
manca dentro

aprende a soltar teus balões
ferver teu café
e ser
teu ninho coberto

constrói teu teto
para que ainda possas
no relampeio
sorrir para as próximas
tempestades.

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