7/11/2006

Antúrio negro dos Anjos

Antúrio negro dos anjos

Vê, ninguém assistiu
à formidável queda
da tua última esperança
afogada na esquina do teu cais

Ninguém está à tua deriva
diante da tua mesa e luz chorando contigo
esse sem descanso pranto

Pega,
toma os aplausos que te gorjearam
pega pluma te prometida
pega o rasgo do teu pranto morto
e enterrado por essa ilusão

Vê,ninguém te remendou
o castelo desabado
na estrada da tua derrota

Ninguém previu
teu suado rumo

Ninguém respirou
teu último poema
jogado as águas beiradas deste litoral

Nem a onda nem a bruma nem o vento

te consolaram o reboco desta ultima ruína

Pega a faca,
dilacera tuas vestes
já não te resta mais nada
deixa de queimar fotos
que as fotos não te causam repugnância
a repugnância inevitável de teres te sido
até o fim de tua verdade

pega a bíbliaega o livro
pega o banco
dessa ridícula esperade
que ainda se alimentava teu coração

Que também o coração homem
já te apontava o mesmo erro
o mesmo alvo

Pega a caneta
engole a tinta
a escrita da tua palavra cansada de vãos

Essas palavras que te falam
mas parecem não te ver
essa palavra que te sonda
te ronda
dizer
o grito
se embrulha no papel jornal
e desiste de ti
de uma vez por todas

Pega tua garganta
tranca teu rasgo
esse rasgo que te previu
a mesma boca macia
que enganou, que te cuspiu

Pega a linha
deixa limpa tua sina
dispensa tua pedra
tua caixa empregada
tua aflição corrosiva
tua primeira primavera

Vê,
ninguém viu descartado
teu único contrato de risos
ninguém segurou tua mão
ninguém te amarrou o cadarço da sandália surrada
teu espasmo
teu elo ao sentido
esparramado no papel

tua gota d’água de olhos lágrima
te afoitou vingadora
marcou a página
que a vida não te permitiu
pular.

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