9/25/2008

Suspiro






Me perdi completamente


desde que nasci

você não está

vendo


mas há um saco de pão

me vedando


escrevo


pra poder me encontrar



dentro de você


(é minha última esperança)

9/06/2008

Hilda Hilst

Árias Pequenas. Para Bandolim

Antes que o mundo acabe, Túlio,
Deita-te e prova
Esse milagre do gosto
Que se fez na minha boca
Enquanto o mundo grita
Belicoso. E ao meu lado
Te fazes árabe, me faço israelita
E nos cobrimos de beijos
E de flores

Antes que o mundo se acabe
Antes que acabe em nós
Nosso desejo.

Destino

a rua de mel
e sal

do nada

9/04/2008

No espelho o ar


No espelho dela: três mulheres. Uma de cinco anos. Conversava com Deus, esta. Ia dormir protegida por uma bolha transparente que a vigiava quando dormia. A menina de cinco anos se arrastava até a praia, fazia bolinhos de sol, e jogava os grãos de areia no mar, espalhando-os, feito porção de ondas. O tintilar dos grãos assentando no fundo do azul, a fazia feliz.

No espelho dela: três mulheres. Uma de 16 anos. Esta tinha medo cortar o cabelo, engordar e ficar esquecida por algum homem qualquer. Falava com os deuses, carregava amuletos, e descobriu em cima do telhado, a poesia de uma cidade. Esta era apegada ao suor e ao breu. Ficava oras olhando a janela. Não sabia a diferença entre um umbú e uma jabuticaba.

No espelho dela. três mulhes. Uma de vinte e poucos anos. Esta briga com Deus. E chora andando na rua. Nunca arrumou direito o cabelo. E não sabe se devia de fato, o ter. Esta procura um laço de mel. Queria muito, muito mesmo, poder colocar um saco de pão na cabeça. Sem causar alvoroço nenhum. Tem medo do anoitecer sozinha. Se embrulha no medo. E espera quieta tudo se desdobrar por si só. Não gosta de fazer força, e está um pouco cansada, demais. Demais.



No espelho dela. Qual deve ficar?Ou ir?

No espelho dela, muito mais mulheres, ou freiras, ou banais, ou negras, ou brancas, ou secas, ou robustas.

No espelho dela. Parece ser tarde demais.

No espelho dela. Além de todos os reflexos, a dura pena. Continuar. ar.ar.

Entrevista para o Jornal Zero UFSC Junho de 2008

http://blogdozero.files.wordpress.com/2008/07/junho_pg03.pdf

9/02/2008

O bicho de castigo





Deixa

eu

gargalhadas estão
contidas entre
meus ganidos
berros e contrários
meu vento
é um redemoinho

onde vão parar os anseios?

estou presa no canto da sala
presa por vozes direcionadas
setas apontando

a janela
e o mundo

mas eu não quero sair daqui.

Não toque
não aproxime
placa

se você pisar
inflamo.

Não é o momento
deixa

eu
o bicho descabelado
que invade as casas


neblina dos cabelos pisados

amarrotados

bicho de pai
e mãe
arrancados da memória

bicho que cheira arranha
eu
porco espinho de praia

mar calmo


na solidão
do ouriço

parece

um castigo