9/04/2008

No espelho o ar


No espelho dela: três mulheres. Uma de cinco anos. Conversava com Deus, esta. Ia dormir protegida por uma bolha transparente que a vigiava quando dormia. A menina de cinco anos se arrastava até a praia, fazia bolinhos de sol, e jogava os grãos de areia no mar, espalhando-os, feito porção de ondas. O tintilar dos grãos assentando no fundo do azul, a fazia feliz.

No espelho dela: três mulheres. Uma de 16 anos. Esta tinha medo cortar o cabelo, engordar e ficar esquecida por algum homem qualquer. Falava com os deuses, carregava amuletos, e descobriu em cima do telhado, a poesia de uma cidade. Esta era apegada ao suor e ao breu. Ficava oras olhando a janela. Não sabia a diferença entre um umbú e uma jabuticaba.

No espelho dela. três mulhes. Uma de vinte e poucos anos. Esta briga com Deus. E chora andando na rua. Nunca arrumou direito o cabelo. E não sabe se devia de fato, o ter. Esta procura um laço de mel. Queria muito, muito mesmo, poder colocar um saco de pão na cabeça. Sem causar alvoroço nenhum. Tem medo do anoitecer sozinha. Se embrulha no medo. E espera quieta tudo se desdobrar por si só. Não gosta de fazer força, e está um pouco cansada, demais. Demais.



No espelho dela. Qual deve ficar?Ou ir?

No espelho dela, muito mais mulheres, ou freiras, ou banais, ou negras, ou brancas, ou secas, ou robustas.

No espelho dela. Parece ser tarde demais.

No espelho dela. Além de todos os reflexos, a dura pena. Continuar. ar.ar.

Um comentário:

Jess Mululo disse...

http://ciometafisico.tumblr.com/post/36425755769/ryana-gabech

Parabens pelo poema.