3/15/2010

É pela paz que eu não quero seguir



Aquela coletânia “Chiclete com Banana” estava ali na estante há alguns meses, eu havia comprado para poder respirar um pouco entre os textos que teria de ler para meu trabalho de conclusão de curso.
No fim, a imersão nas palavras acadêmicas, acabou me dando espaço somente respirar as visitas e os cafés da tarde que a própria Lagoa da Conceição trata de trazer ao meu recinto.
"Vou levar essa coleção para o Jonatha- pensei;
Tenho que pedir para ele tomar cuidado porque isso é raridade”.
Tenho essa vontade de distribuir tudo que eu acho interessante e torno a possuir: impresso, dvd, filmes em avi, fotos.
Pela manhã do dia 12 desço a escada com as revistas nas mãos:
-Vixe nega! Acho que você não trouxe isso numa hora boa. O Glauco morreu. Foi assassinado esta madrugada.

Hoje (dia 13),a Folha de São Paulo fez uma homenagem muito bonita,conseguiu um suspiro em mim aquela ilustração do Angeli e do Larte: a árvore sem cores, a ligação entre a Terra e algum lugar.
Acho que a tv é claro, como sempre, acaba deturpando tudo.
Estive na Cerimônia do Daime duas vezes. É uma planta de cura, sim. Mas o ritual, a cantoria dos hinos, não difere muito das outras religiões em que se aprende sobre a pacificação, a humildade absoluta, e a não violência. Inclusive, os hinários do fundador Mestre Irineu chegam a “educar” o religioso para que controle o tom da sua voz-“ falar sem me exaltar”- é o que diz o hino.
Falar com humildade. É claro que uma religião fundamentada na cura, vai atrair doentes de todos os tipos. Conheço muitas pessoas que verdadeiramente como o próprio Glauco deixaram a vida não só das drogas, mas da violência física e moral, da auto-piedade, do apego e da luta pela materialidade, na tentativa de um silêncio amoroso e pacificador dentro da doutrina. Essa mesma doutrina e esse mesmo chá curaram infinitamente mais do que prejudicaram alguém, com certeza.
É muito fácil colocar a culpa na religião quando no âmbito da maioria delas (olha que sou uma estudante assídua) o que se procura entre os homens para com uma doutrina é a paz, o apoio e a procura pela saúde física e emocional. No geral há busca tremenda pela fé: a única capaz de lavar toda aflição e dor. Então, não é difícil atrair adeptos em uma sociedade tão perplexa e cruelmente intraduzível.
Estamos falando de pessoas. E pessoas que procuram algo em comum, isso não descarta de maneira alguma, que essas envolvidas dentro de um ideal sólido- o cumpram.
Agora se a religião fala de humildade, simplicade e a tv, os filmes, e os impressos só falam de tragédia, avareza, das mortes brutas e gratuitas entre os humanos. O que predominará entre nós?
Essa morte foi uma explosão de que até um artista, simples, fundador deuma casa de cura, está a perigo deste turbilhão de cegos que querem resolver tudo na base da matança. E o que é pior- da maneira mais covarde e ignorante da qual o homem consegue se vingar: com uma arma de fogo.
Entre os indígenas, até mesmo os tupinambás, a morte de um índio de outra tribo era uma questão primeiramente de honra. Os guerreiros eram iniciados em muitos ritos antes de guerrilhar. Pois guerrilhar é uma condição indígena e humana, remota. Mas o passado sempre se inverte par ao futuro, de modo que continuamos guerrilhando entre nós, no meio dos desmoronamentos e terremotos entre as nações.
Morremos sem honra de nada.. Repetimos e repetimos, e para não mudar, há os estabilizadores de humor. E para não gritar temos a fluoxetina, e para não sentir dor temos os analgésicos. E para aceitar a morte colocamos a culpa em um chá.
Quando um guerreiro índio era morto por um inimigo ele era velado na aldeia do mesmo, com danças e rituais, consagrações. Nossa nação mata seres da própria aldeia, não há inimigo real,e também não há como se atirar no orgulho, não há como se atirar na crueldade, no ciúme, na inveja e na doeça mental. Então atiramos sem motivo conciso, mas arrumamos um: atiramos para nos defenderpara fazer justiça, atiramospara acabar com o crime, para acabar com a vilência.Contráditório não?
Há muitos criminosos evangélicos, budistas, católicos e bruxos. Mas há morte rápida, sem preparação ,e a arma é disparada de uma maneira tão simples, que uma até uma criança o pode fazer.
Se olharmos para a história antes da arma de fogo fica nítido que antes era preciso ser muito corajoso para matar e muito mais muito forte para mudar a situação sem precisar matar. A morte tinha uma relação muito mais filosófica e direta com a vida. Nem tudo era morrer e não era o outro quem dava essa sentença tão facilmente.
É muito mais fácil a tv esculhambar uma doutrina do que assumir o erro social de a arma simbolizar o poder absoluto. Buscar somente o poder pelo poder,ter uma arma. infelizmente o poder devíamos assasinar esse poder leviano com status de 38.
A aywasca é uma planta de poder.Do poder da paz. Isso eu quero admitir.
Mas não quero admitir e nem aceitar essa morte: Glauco VIllas Boas-cartunista, artista brasileiro e seu filho: mortos cruelmente por balas descompassadas, sem motivo aparente.
Eu não aceito essa morte. Se for pra gritar eu grito. Não quero seguir admitindo.

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