6/06/2007

Longa caminhada por um poema



quero um poema que junte
todos os meus caquinhos
que me desenhe
em pedaços

pedaços que se ausentaram
lascas irregulares
lascas arrancadas
de uma parede
abandonada

quero um poema
que arranhe o sentido

que permaneça
verde em dois
como os olhos mata
amanhecendo em sol

quero um poema que
tenha dentes para sorrir
e caninos para defender
sua esteira de palavras

quero um poema que escorra
nos cabelos
como um banho de lama
açaí e ardor

quero um poema
que fique entre dois corpos
uma só passagem

quero um poema que costure
uma ferida

um poema
que carregue todas as linhas
bordadas em roupas de passagem
roupas que abrigaram o íntimo
e o desconhecido

quero um poema que amacie
o sono
mas que
lembre em penas
a leveza de ainda
dedilhar versos

quero um poema que cante
uma chegada
que assombre a cama do quarto
com tremores vivos
de quem geme o prazer

quero um poema
que piche o horizonte
interno

um poema que grite
no outdoor da avenida principal

eu desejo um poema
que fale o poeta
falando o mundo
pela televisão
em vinhetas coloridas
e banais

quero um poema
em goles bebida barata

e quero um poema com
instruções de uso
para aqueles
que não tem dedos
sutis
para acolher
a poesia


quero um poema
sem dores nos braços

quero um poema com fartura

um poema que não fale
um problema,
mas que descanse os olhos
e a alma
de quem lê

um poema
que fale ao bueiro
e à Imperatriz

que diga a qualquer um
que exista e esteja vivo
vibrando

que fale como um ser vivo
que mostre o sapo morto
e que cheire o chorume das ruas

um poema que traga um suor
e um gozo
um transpiro
e um respiro
e um vôo livre


brinde


em um momento


de prisão

que não hesite em virar
em todas as esquinas

que sobreviva a calçada
e a dor do amor
um poema que ocupe
um lugar concreto

que ocupe uma cadeira
em algum lugar
do mundo

um poema com a certeza
de uma descoberta
e a leveza e liberdade
de um vapor cheiroso

um poema que descasque uma fruta

um poema que amarre as mãos
de quem não é feliz

um poema que faça ver um cego

um poema oração permanente


sussurada


a cada momento do dia


sem precisar


ajoelhar


um poema sem janelas
e com toda a paisagem

sem maneiras de dizer


sem pudor
ou baton

um poema que corra ao meu
lado
que acompanhe a travessia
em silêncio

um poema sem vergonha
de vestir
e despir

um poema sem afirmação
um poema que conviva
no barulho da chaleira

que converse as águas que
escorrem da louça

um poema borrão do chão

um poema que assente como a poeira
no porta-retrato

com uma pulsão
sacudida

um poema com uma dúvida
que pertuba e desperta
imediatamente

que faça andar a quem está imerso
no parado


que faça rir


a quem quase está

que faça chorar
quem a muito tem amarrado uma vontade
uma confissão oculta
de jorrar todas as pedras
reunidas no meio do corpo
em líquido salgado
torrente que liberta

quero um poema
com uma camada de vento
e brisa
para respirar as ventanas
de quem precisa de mar
nos ouvidos

para aqueles que desejam
se encher
e se esvaziar

quero um poema que aja
como um grão de areia
grudado entre os dedos do pé

permanentes até a terceira saculejada

que coce
afete
trema

um poema chocalho
em notas sujas
e cheias
juntas


um poema-marca
que faça sentido a quem
mexeu
mobilizou


ou cortou


algo em si



um poema que leia


o olhar vedado


de um sonho


que esperou muito


para acontecer




e ainda está

uma poesia que dissolva entre os membros
do corpo

uma poesia que tenha pernas
próprias




que ande sempre


que nasce


cresce


reproduz




e reproduz


sempre




que console um desespero

que molhe as retinas gastas

que refresque a pele

e acene com alegria

e asas

todas as
chagas


redemoinhos


e escancaros
presos na memória




um poema que cure


a falta




que aceite a morte




que ensine a vontade




que seduza o paladar


que acalme com duas mãos


quentes


uma grande dor




que traga um copo


de esperança


para quem precisa


permancer




que distribua senhas


infinitas




para os que pedem socorro


para viver






foto sobre o trabalho de Pina Bausch

2 comentários:

tatiana cobbett disse...

IÇA!!!!
Senhas pra dar sede....viver!!!

Campeche
Ó menina
não se lembra ?
Quem contou
foi Frei Dadá

Iracema
áquela lenda
é um arroio
a caminhar

Sentada na cachoeira
vendo a agua derramar
alí mesmo
Iracema
toma o seu banho de mar

ò menina
Iracema
toma o seu banho de mar

Tatiana Cobbett

Pedro MC disse...

adorei teu blog ryana! mesmo, de verdade, sem mentira, podes crê, é isso aí!
beijo
pedro mc