4/10/2006

Pena Morte

Primeiro morreu nossa gata.

Depois morreram algumas
mesmas palavras
tão derivadas de dor.

Depois morreram
nossas músicas compartilhadas.

Morreu a fome de um,
a fome do outro.

Morreram as pernas quentes
nas escadas,
o corpo efeito
da ternura
na estrada.

Morreram os lençóis
os textos
as toalhas
os bilhetes dóceis.

Morreram também as esperanças

Tudo já era, desde o início.

Morreu também os prantos
nada se guardou
para o curtir do amanhã.

Morreu a pancada e o presente
o grito forte
a voz ausente.

Morreu o efeito imediato
morreu.


Morreu a vontade de não dar o tapa
morreu a vontade de estender o braço
morreu a vontade de salvar o afogado.

Morreu a surpresa e a empresa

a conta conjunta
e tudo apareceu na mistura,


morreu o um que tava no outro

morreu o lábio molhado

a torcida inquieta

morreu o suor e o eclipse.


Morreu a grama,

os conjuntos de mãos

as nossas asas que batiam

presas-soltas.


Morreu tudo

até nós
que parecíamos vivos.

Morreu o nosso fôlego

o nosso golpe,

nossa história dividida em dois.

Morreu a sombra

a luz.

Não doeu mais
nada
nada.

e o peso de uma morte
tão esperada
é o nada.

Um comentário:

Telma Scherer disse...

lembrei dos três mal-amados do joão cabral. o amor comeu metros e metros de gravata. devidamente enforcado, o amor nasceu de novo para um novo céu. muito bom esse e os novos em geral! beijos te adoro