Era uma cidade insituável e de cores cambiantes aquela, o território que subvertia os sentidos: o dia projetava tons lilases e o prateado dos astros; a noite incendiava a ponte de amarelo solar, a irradiação de um fogo primitivo.
Era a cidade das estrelas próximas: esbarrariam nas torres altas - se estas lá existissem, se tivessem sido erguidas por um monarca excêntrico. Era a terra do vento espaçoso, do ar marítimo adocicado.
Atravessei a ponte e virei o rosto admirando o balé das sombras na calçada. Bamba, lancei meus cabelos como quem atira desajeitadamente uma rede ao mar, transformando meu corpo num manto embebido de letras, de prosa reverberante, da poesia declamada nas praças.
Sorri para uma câmera imaginária que captava de Júpiter, do mar ou da esquina mais próxima, a graça ligeira do meu corpo para eternizá-lo num quadro a ser desvendado pela arqueologia futura.
“Observem a aparente falta de peso dessa figura ancestral”, diriam os homens ulteriores, intrigados com a levitação dos corpos tomados de contentamento pleno.
E eu, no tempo pretérito mais-que-perfeito, airosa e desfragmentada em luz, escutava as perguntas de Davi num idioma incompreensível e alheio à mímica dos olhares perdidos.
“Está tudo bem? Quer ir a algum lugar?”, inquietava-se cuidadoso para, em seguida, dar-se conta de que outro lugar já não havia. Lá fincaríamos a estaca de madeira maciça, símbolo do fim da procura, sinal que legitima a posse da terra desde sempre destinada aos poetas, aos insensatos, aos de parte alguma.
Eu ria e ria. Ria de vinho e de pertencimento. Ria para Bel com sua blusa amarela a repetir a cor dourada da cidade-farol. Ria, enfeitiçada por seus brincos orbitais – duas mandalas feitas de rede de pescador –, embriagando-me de seu desprendimento cigano, de sua sábia alegria sofrida. Contemplava o deslizar de seu encanto para Lúcio, que o aceitava como quem recebe um presente delicado: abrindo os braços, girando o corpo, gargalhando do absurdo da vida, sem nunca comprometer o equilíbrio do chapéu havana, prestes a nos exibir um número de sapateado.
E uma vez mais Davi surpreendia meu olhar volante, meu rosto diluído nos acordes da canção inaudível, meu vulto impregnado do ar liquefeito dos canais. E então eu me condensava em torrente cálida, para lavar a alma e as calçadas, para infiltrar-me no vão das pedras e assim permanecer, eternamente sábia, definitivamente louca, a me alimentar das luzes transitórias, do vento temperado pelas algas e peixes.
*Carla Franco e o seu lindo sorriso.
Era a cidade das estrelas próximas: esbarrariam nas torres altas - se estas lá existissem, se tivessem sido erguidas por um monarca excêntrico. Era a terra do vento espaçoso, do ar marítimo adocicado.
Atravessei a ponte e virei o rosto admirando o balé das sombras na calçada. Bamba, lancei meus cabelos como quem atira desajeitadamente uma rede ao mar, transformando meu corpo num manto embebido de letras, de prosa reverberante, da poesia declamada nas praças.
Sorri para uma câmera imaginária que captava de Júpiter, do mar ou da esquina mais próxima, a graça ligeira do meu corpo para eternizá-lo num quadro a ser desvendado pela arqueologia futura.
“Observem a aparente falta de peso dessa figura ancestral”, diriam os homens ulteriores, intrigados com a levitação dos corpos tomados de contentamento pleno.
E eu, no tempo pretérito mais-que-perfeito, airosa e desfragmentada em luz, escutava as perguntas de Davi num idioma incompreensível e alheio à mímica dos olhares perdidos.
“Está tudo bem? Quer ir a algum lugar?”, inquietava-se cuidadoso para, em seguida, dar-se conta de que outro lugar já não havia. Lá fincaríamos a estaca de madeira maciça, símbolo do fim da procura, sinal que legitima a posse da terra desde sempre destinada aos poetas, aos insensatos, aos de parte alguma.
Eu ria e ria. Ria de vinho e de pertencimento. Ria para Bel com sua blusa amarela a repetir a cor dourada da cidade-farol. Ria, enfeitiçada por seus brincos orbitais – duas mandalas feitas de rede de pescador –, embriagando-me de seu desprendimento cigano, de sua sábia alegria sofrida. Contemplava o deslizar de seu encanto para Lúcio, que o aceitava como quem recebe um presente delicado: abrindo os braços, girando o corpo, gargalhando do absurdo da vida, sem nunca comprometer o equilíbrio do chapéu havana, prestes a nos exibir um número de sapateado.
E uma vez mais Davi surpreendia meu olhar volante, meu rosto diluído nos acordes da canção inaudível, meu vulto impregnado do ar liquefeito dos canais. E então eu me condensava em torrente cálida, para lavar a alma e as calçadas, para infiltrar-me no vão das pedras e assim permanecer, eternamente sábia, definitivamente louca, a me alimentar das luzes transitórias, do vento temperado pelas algas e peixes.
*Carla Franco e o seu lindo sorriso.
Um comentário:
Nossa, que honra! Ficou lindo. Amei! Queria estar lá agora. beijao, Carla
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