12/23/2008

Último Andar



Alguém está descendo
a escada
na escuridão desta casa


no degrau:

roupas
rasgos
palavras
e pétalas de gerânio branco
Quem escondeu a sua voz
dentro deste travesseiro
do amanhã?


No nau que parte

diante de minha alta janela


vai esse pergaminho
com notas japonesas
desenhadas para o seu corpo


Eu só consigo ver você
de longe


Entre as submersas amarguras
essa mala
esta música
cantada apenas

dentro do mar
partido

12/18/2008

Samba (para Leandro Fortes)

Roda o passo
a flor
do terraço

da vista
visita de aperto
abraço

saudade

te jogas em ondas
fixa, almeja, anda,
faísca
dia-dia

é um medo chamado nostalgia
sai meio a tardinha
volta depois de três dias

um cactus
meu improviso
é a falta do nosso sorriso

o que pode ser de nós?

até um dia
do terraço da vizinha
vem e acena
nossa vida em fotos
cartazes de alegria

até um dia
perdão
o peito arde
mas eu preciso de razão

sinto saudade
do mil e novecentos
dos três e cinquênta
do porre

do passe
do xote

Rodo e passo
é a flor do perdão
no meu terraço

12/12/2008

O sol da linguagem: Hilda Hilst


Hilda Hilst: Nome escrito entre os montes de areia fina, nome de jangadas e canoas do futuro poético. Imagine daqui a dez, vinte anos (quando o mundo a descobrir mesmo), uma frase de Hilda em placas, barcos, jangadas:

"A vida é crua. Faminta como um bico de corvos. E pode ser tão generosa e mítica: arroio,lágrima,olho-d’agua,bebida. A vida é líquida"

Fernando Karl a entrevistou , e essa passagem é linda, não tem como passar reto:

Fernando José KarlPara terminar, rápido e rasteiro – qual o mistério dos mistérios para você?
Hilda Hilst – Eu penso que seja a paixão, a nostalgia da paixão, que é terrível, mas que, por outro lado, faz você revivescer. Para mim, me apaixonar com pudor era uma coisa maravilhosa. Mas, até mesmo nas minhas fantasias eróticas – e eu estava sempre só quando as tinha – eu ansiava por uma imagem e, vocês sabem, ansiar imagens é infernal. Você não sabe qual imagem vai olhar sua decomposição na velhice.
Eu desejo que quem me olhe seja meu cúmplice, cúmplice de minha sina.



mais em: http://nautikkon.blogspot.com

12/11/2008

Restos de uma enchente

Os buracos abertos
os canos que não foram rebocados

os canos cortados
amputados

em uma parede
sem história


Que desta massa de contrução
nasça uma rosa

que nesta enchente turva
dance uma bailarina vermelha

que as frutas brotem

da terra podre

Mentirinha- para Bento Nascimento

Vê,

não foi tão difícil assim
se mostrar para o mundo

de mentira em mentira
a verdade veio ao rumo

de frente
com essa sua mania
de não responder com o peito

a palavra soou
uma relação cordeal
que dançava
no nariz do pinócchio

acreditamos
você e eu
que essa história
de deixar para depois

era uma mentira
disfarçada
de covardia

Álbum Vermelho



Os pensamentos voaram e chegaram até a sacada da casa.
Peguei um pensamento-pergunta: "onde estão seus cadernos de poesia?

Ficou ecoando no ar a interrogação.

A verdade é que o tempo foi passando e fui deixando o costume de ter um caderno só de poesia, como antes....Claro que os cadernos "'só de poesia" continham também foto-poemas, capas de filmes, imagens de revista, folhas de laranjeira, e pequenas mudas de jasmim, entre as páginas.

O fato é que com o espaço virtual,tudo virou uma só camada imersiva, que ainda, não possui cheiros nem raízes secas para povoar a página.

Como sou um bicho meio do passado, que queria ter vivido no tempo do rádio, resolvi lapidar meus cadernos de hoje, que parecem mais rasuras do que aquela forma bonita de se pensar poesia, no toque, na terra.

De uns três anos para cá, meus cadernos poéticos estão poluídos com lista de supermecado, contas para pagar, receitas médicas, dias que não posso esquecer, horas que tenho que cumprir, nomes de artistas, endereços de internet, cartazes removidos das paredes da universidade.
Ás vezes olho os grafismos feios no caderno que parecem mais arte rupestre em plenos tempos de evolução tecnológica.

Na correria do tempo, e na luta por mais tempo para criar e para menos racionalizar, muitos exercícios e inspirações da rua, do movimento, em que a caneta e o guardanapo são as única ferramentas, ficaram para trás, em meio às contradições da sociedade moderna: tempo é dinheiro, tempo não volta,
mas fique na fila do nosso Banco.

Na tentativa de lapidar as pérolas nascidas do lápis, do gesto e do papel, recuperei três cadernos do limbo, e farei um olhar "infravermelho"para coisas pré-nascidas e deixadas para trás.
Coisas vermelhas, com um álbum virtual do passado. Já que escrever à mão anda me cansando e esta hospedagem virou meu campo de vôo.

O futuro é feito de lembranças virtuais.

12/08/2008

Bilhete promessa



Meu amor. Acabei não resistindo a vontade de deixar esse bilhete. A geladeira é o primeiro lugar onde sua preciosa mão pousa pela manhã.
Ontem você escondeu as chaves de novo. Quase perco a hora do trabalho. Parece que faz pra implicar comigo.

Prometo procurar você novamente apenas quando estiver com o sorriso de ontem. E com a mesma maçã nos olhos. Prometo pegar na sua mão e não deixar você sentir medo. Vou te abraçar enquanto você dorme,e preparar o café.Quero perguntar com quantas pessoas você falou no dia, quem ajudou, brincou ou cruzou o seu caminho.
Quais foram as cenas entre as horas monótonas do serviço que mais desconcertaram seu programa . Prometo lhe dar flores, e preparar a máquina de lavar.
Estender os lençóis,dar comida para o gato e ligar quando estiver doente.
Prometo pisar de mansinho quando descer a escada para beber água,no amanhecer frio da sua sala sem tapetes.
Prometo preencher a casa de girassóis, e esperar você terminar de falar a frase inteira, o pensamento como um todo.
Sim, prestarei atenção quando você se emocionar para responder alguma pergunta de família.
Quero ver todos os seus álbus de infância.
Prometo suspirar ao ouvir a sua voz.

Mas meu bem, não me ligue pela madrugada
e nem me incomode, esperando devolta
as cores que pintei sua vida

Não chore quando eu for
e não me pergunte
se eu senti saudades

quando voltar

12/06/2008

Liana Keller

http://lianatrapo.blogspot.com/

12/05/2008

Espetáculo Trêmulo O Corpo Som do Poema








"O que sou está acima da linguagem,
mas como posso escrever sem mim?" Clarice Lispector

12/03/2008

Silas Simplesmente-porque o humor é o melhor remédio

Zeitgeist II

Quero uma
explosão
ser tomada por um acontecimento
uma queima
de arquivo falso

a interrupção de um assalto

a apatia das cadeiras
em ordem
as fileiras e os padrões
a frieza do sobreposto degrau
do mestre
me faz rir

é frieza e didática
a dialética

os seres desumanos querem
emoção
cobrança de notas
papéis quadriculados
por presenças
maquiadas
disfarçadas

quero a força intensa do quebrar
melhor

fazer parte de um lugar
onde as pessoas podem falar
foder
orar e pintar

sem terem de apontar o dedo
para o reflexo

quero essa criaça cor-de-rosa
correndo entre as pernas
de seus pais

e que ela possa conhecer
tudo verdadeiramente

que possa se estender
entre as águas da cachoeira
conhecer o mar
olhar a janela de sol
e poder escolher
se deve ficar ou cumprir
ganhar ou perder
ser frágil
quebradiça e sem vontade

ou

ser bruta
ferro derretido
canina

possuir
ou perder
não ser indicada

quero sair do muro
e não ser
revistada
estapeada, cuspida,
encaixotada em um padrão

quando não fiz isso à ninguém


Não mereço estar de frente
para esta esta tela

por trás dessas imagens
ameaçadoras
um revólver
vendido no mercado

quero explodir no acontecer
e não na mesmisce das
notícias vãs

quero poder saber
se quero
prevenir

ser o que não sei
se sou

pois estou andando

e apenas
quero continuar

11/19/2008

Zeitgeist


"Veremos
o quão é importante
trazer para a mente humana

a revolução radical

Essa crise
é uma crise de consciência

uma crise que não pode
mais
aceitar as velhas normas
as antigas tradições

E, considerando
o que o mundo é hoje,
com toda a miséria
conflito
brutalidade destrutiva
agressão

o homem ainda é o mesmo de antes.

Ainda é bruto
violento,
agressivo,
acumulador, competitivo

ele construiu
uma sociedade
baseada

nestes termos"

________________________


O que estamos tentando
com toda essa discussão retórica
é ver se não podemos fazer acontecer
uma radical transformação da mente

não aceitar
as coisas como elas são

entendê-las, mergulhar nelas,
examiná-las

use o seu coração, a sua mente
e tudo o que você tem para descobrir
um jeito diferente de viver

mas isso depende de você
e de mais ninguém

porque nisso,
não há professor,
nem aluno,
não há lider,
não há guru,
não há mestre,
não há salvador

você mesmo é o pofessor,
o aluno,
o mestre,
o guru,
o líder,

você é tudo
e...

entender
é transformar
o que há"


Krishnamurti

11/02/2008

Entre poesia

Poesia. Andar entre ilegíveis passagens do viver.Poças de palavras.Águas de escrita jorrando em todas as esquinas. Mesmo eu poeta, greve de palavra. Força de todas as atitudes.Poeta é um bicho esquisito, que de repente vira gente, nasce em barriga, de uma boceta borrada de sangue. Todo poeta bom pergunta muito. Bom não quer dizer que escreve bem, quer dizer que depende da palavra para ser, para virar. De modo que o poeta bom, é aquele que em cada palavra sua, há um pedaço da carne dele ali.É quase como sentir o cheiro do autor. Ás vezes esse perfume é indecifrável, mas ele é percebido. Ele existe. A palavra do bom poeta, sai dele a tal ponto de atingir o outro.E atingir o outro não quer dizer que ele vai achar lindo, maravilhosa a idéia.Ele pode rasgar o poema, ele pode xingar ou só dar um sorriso, pode dizer que não entendeu, questionar.Mas atingiu.Nem todos os poemas atingem, mas geralmente, os mais fortes, geram uma reação.
Só sou eu mesma quando escrevo, logo o mais verdadeiro de mim, a maior essência está ali, naquele embaralhado labiríntico de palavras . Há quem cria. E há quem contempla. Há quem se arrisca a ser poeta, mas poeta mesmo, não consegue viver sem poesia.As vezes as palavras me deixam no meio do caminho.As vezes elas me apontam um. As vezes as palavras me amarram na cadeira e não consigo sair até terminar.E com certeza, esse impulso que move e amaara, vem de uma sentido poético.Só a poesia amarra e liberta. A poesia é livre para fazer de nós o que quiser. Ela está aí. Só basta abrir a porta. Mas não é qualquer um quem pode sair por aí, pocurando as chaves da poesia em si e no outro. É um exercício de contemplar amanheceres, querer ver a sujeira e o apreço.Já ouviu muitos poemas de amor? Que bom, um entre cem poemas de amor são bons. Das obras dos melhores poetas, o que pulsa e vive, o cerne da obra,não fala de amor, fala da vida, da insatisfação, do querer outra realidade.
O tempo do romantismo já passou, e ninguém precisa morrer para escrever poesia. Mas a poesia não pode, nem deve ceder as academias, as grandes instituições. Os poetas, os trovadores, são espelhos do povo, da grande maioria. O livro pode não vender.Mas o disco vende. E o disco tem poesia. A música é poesia com e sem palavra. A poesia é a única nascente onde todas as artes podem se unir. Porque não tem normas. Não tem regras. Quer ser indiferente à realidade? Escreva uma ficção. Invente um personagem. Porque se na poesia você não puder ser o próprio personagem. Nem escreva o poema. Poema é verdadeiro quando é a gente. Quando parte da nossa mísera capacidade de ser alguém que tenta.Que tentar comunicar.Que tenta alguma coisa. Poesia vem da alma. nao tem fórmula, ph, medida, bússola, bula. Não tem. Ela de repente pega de supresa. E a paixão verdadeira é ela mesma. O sexo do poeta é com a poesia, antes de ser com alguém de carne e osso. De repente a poesia quanto a escreviam, enquanto davam á luz um livro, se desproviam de tudo. Bukowski, Mallarmé, Pound, Quintana, Drummond, Hilst, Gullar. Não escreveram poesia por prazer, ela os tirou um pouco da vida, e os colocou no mais profundo mar das sanções, das sinergias, do vazio, do medo. Nenhuma pessoa vive a poesia sem se transformar.

Porque poesia é difícil?Têm pouco público?

Porque quem a escreve tem de doar alguma coisa por ela.Tem que experimentar. Comer a barata?

Viver a barata.

Pensar sentir. Mudar.E quem lê, tem de assistir esse tratado entre o poeta e a poesia, quase sempre ele é conflituoso, verdadeiro e comovente. Ninguém fica ileso. E para viver poema tem de se ter a casca grossa. A gente sempre recusa o que não entende.Não gosta do que não entende. A poesia é tão profunda, que só quem resolveu largar a margem e nadar, pode sentí-la. Um dos primeiros poemas que mais amei ler, não entendi absolutamente nada do que o poeta falava entre as linhas de compostas por palavras e os intervalos entre os brancos dos versos.mas eu gostava.Demorou até alguém me explicar. Nem foi tão bom assim saber, a dúvida era mais interessante.
Poesia é atitude, é querer. É uma ferida com muita vontade de sarar. De modo que atrás de um grande poema, há um grande poeta, uma grande voz, e um eco vibrando para todos os lugares fora da página. Fora do áudio. Fora da imagem. A poesia é o barco do branco eterno que sempre espera o tingir de quem a escreve, e até a cor final de quem lê.É de frente, na frontalidade de uma escultura que se vive poesia, que se escreve poesia. É como andar entre as vidas de todas as coisas. É como estar entre as imagens do filme.
No vulgo espaço entre as vidas,as cenas, abraçando o acontecer,andando entre e sem quebrar os ovos.

10/30/2008

Making Off Trêmulo


O morto e o vivo




Inútil pedir
perdão
dizer
que o traz
no coração

O morto não ouve




Ferreira Gullar

10/20/2008

Presente



era uma janela cinza e branca
uma mão pousava em meu ombro
a luz entre a neblina e o fogo
nós bebíamos
na chícara do passado

que elixir possui
o líquido do passado?

Esta cidade em mim
se cobre de névoa
é branco branco branco
como o luto de um fantasma
sem música

Abre-se o lírio do frio

duas barras de metal
e o grito de uma criança sobrevivente

do meu naufrágio

quem salvará o barco?

Há uma mão em meu ventre
e o presente
dormindo e gemendo

no meu travesseiro
*foto-trabalho vermelho paixão
Karina Segantinni

10/18/2008

Charles Bukowski

Melancolia


a história da melancolia
inclui todos nós.
eu, eu escrevo em lençóis sujos
enquanto olho para paredes azuis
e nada.
eu já me acostumei tanto com a melancolia
que
eu a recebo como uma velha
amiga.
eu terei agora15 minutos de aflição
pela ruiva perdida,
eu digo aos deuses.
eu faço isso e me sinto bastante mal
bastante triste
então eu levanto
LIMPO
apesar de que nada
está resolvido.
isso é o que eu ganho por chutar
a religião na bunda.
eu deveria ter chutado a ruiva
na bunda
onde o cérebro e o pão e
a manteiga dela
estão...
mas, não, eu me senti triste
por tudo:
a ruiva perdida foi apenas outro
rompimento em uma vida
de perdas...
eu ouço a bateria no rádio agora
e sorrio.
há alguma coisa errada comigo
alem
da melancolia.

9/25/2008

Suspiro






Me perdi completamente


desde que nasci

você não está

vendo


mas há um saco de pão

me vedando


escrevo


pra poder me encontrar



dentro de você


(é minha última esperança)

9/06/2008

Hilda Hilst

Árias Pequenas. Para Bandolim

Antes que o mundo acabe, Túlio,
Deita-te e prova
Esse milagre do gosto
Que se fez na minha boca
Enquanto o mundo grita
Belicoso. E ao meu lado
Te fazes árabe, me faço israelita
E nos cobrimos de beijos
E de flores

Antes que o mundo se acabe
Antes que acabe em nós
Nosso desejo.

Destino

a rua de mel
e sal

do nada

9/04/2008

No espelho o ar


No espelho dela: três mulheres. Uma de cinco anos. Conversava com Deus, esta. Ia dormir protegida por uma bolha transparente que a vigiava quando dormia. A menina de cinco anos se arrastava até a praia, fazia bolinhos de sol, e jogava os grãos de areia no mar, espalhando-os, feito porção de ondas. O tintilar dos grãos assentando no fundo do azul, a fazia feliz.

No espelho dela: três mulheres. Uma de 16 anos. Esta tinha medo cortar o cabelo, engordar e ficar esquecida por algum homem qualquer. Falava com os deuses, carregava amuletos, e descobriu em cima do telhado, a poesia de uma cidade. Esta era apegada ao suor e ao breu. Ficava oras olhando a janela. Não sabia a diferença entre um umbú e uma jabuticaba.

No espelho dela. três mulhes. Uma de vinte e poucos anos. Esta briga com Deus. E chora andando na rua. Nunca arrumou direito o cabelo. E não sabe se devia de fato, o ter. Esta procura um laço de mel. Queria muito, muito mesmo, poder colocar um saco de pão na cabeça. Sem causar alvoroço nenhum. Tem medo do anoitecer sozinha. Se embrulha no medo. E espera quieta tudo se desdobrar por si só. Não gosta de fazer força, e está um pouco cansada, demais. Demais.



No espelho dela. Qual deve ficar?Ou ir?

No espelho dela, muito mais mulheres, ou freiras, ou banais, ou negras, ou brancas, ou secas, ou robustas.

No espelho dela. Parece ser tarde demais.

No espelho dela. Além de todos os reflexos, a dura pena. Continuar. ar.ar.

Entrevista para o Jornal Zero UFSC Junho de 2008

http://blogdozero.files.wordpress.com/2008/07/junho_pg03.pdf

9/02/2008

O bicho de castigo





Deixa

eu

gargalhadas estão
contidas entre
meus ganidos
berros e contrários
meu vento
é um redemoinho

onde vão parar os anseios?

estou presa no canto da sala
presa por vozes direcionadas
setas apontando

a janela
e o mundo

mas eu não quero sair daqui.

Não toque
não aproxime
placa

se você pisar
inflamo.

Não é o momento
deixa

eu
o bicho descabelado
que invade as casas


neblina dos cabelos pisados

amarrotados

bicho de pai
e mãe
arrancados da memória

bicho que cheira arranha
eu
porco espinho de praia

mar calmo


na solidão
do ouriço

parece

um castigo

8/26/2008

Dentro da casa




Devo abrir a porta e te dar a mão


Dentro desse pote

uma noite

e as suas mãos de neblina

passeando em meu corpo


puxo a cordinha


ao pé dos sonhos


os cabelos negros na lua


recortam um desenho entre o ventre


umbigo



Será o seu reflexo


a nossa casa à noite


ou essa floresta


que quer me convidar?




Há um respiro

atrás da porta


dentes e uivos

desejo



posso abrir o pote



ou devo abrir os olhos



ou a tampa

dessa caixinha?


8/22/2008

Itajaí








Fui muito bem recebida no NEFA, onde apresentei minha performance e lancei "Trêmulo" (Ed.Papa Terra, 2008).Foi lindo tudo.As imagens falam melhor.Bjão em todos que me apoiaram sempre. Ah..E a Lucinéia--boneca gentilmente cedida pelo núcleo para a performance. Viva a poesia!!!
Obrigratra especial ao pessoal do NEFA. Ao Sebba. Ao Cristiano Moreira.Ao SESC...




O homem, o rio e parte.


Aquele homem apareceu grávido de oito noitadas mal-dormidas. Passou por mim e levou meus anéis de delírio. Eu ofereci cálices, sobremesas, e noites entre galáxias.Ele não quis.Preferiu me enganar, marvcar um encontro e partir.Partir.Alguém me partiu em 3. Você é parte dos cristais que guardo e que corto. Este homem guardava uma sacola de talismã. Mirei-o do umbigo pra cima. Convidei a passear dentro desse abismo.Ele não acreditou que o abismo são outros umbigos,umbigos exagerados, umbigos que inflamam. Eu inflamei e queimei. Muitas vezes subi na carroagem do homem. Ele sempre queria melancias para jogar as sementes no caminho. Não sei porque montei no sonho. Na verdade eu procurava uma outra parte.Parte. Eu já a conheci.É meu oposto, mastiga com calma.Tem a alma parada, mas não apática. A alma voa como elefantes e suas orelhas de asa.Eu voei muitas vezes com a parte. A parte fala, e parece música, há quem ria das gírias e da simplicidade. Eu não, preferia deixar ligado todo tempo aquele rádio de voz que ela sussura. A minha parte nunca toquei. Mas ela toca todas as melodias com suspiro, hálito e calma.Minha parte parece uma árvore abraçada por uma criança.Eu a amo. Mas eu esbarro.Ela esbarra. Dizem que não tem rumo, é como o rio que transbora.Pode parar, transbordar, ou seguir.Pode molhar terras, balbucios,relvas. Ou pode vazar.Eu tenho medo que ela escorra. Então eu encontro o umbigo. A garganta.Parte.Me deixa partida. E o homem me leva.Eu o levo também. Porque é o único que me quer.

8/05/2008

Poemando na Pracinha








"Poeta,




trapo




poeta




trapo




trapo poeta



poeta




frigideira e limpador



alguém quer

limpador?



alguém quer limpar

dor?



poeta trapo
trapo

trapo


tudo junto




pedaço de palavra




pedaço




pedaço trapo


todo mundo junto


todo mundo misturado


pedaço de palavra


pedaço


trapo trapo trapo"




Ryana Gabech
Fotos: Alessandra Teixeira






7/22/2008

Trêmulo-composições de Guinha Ramires


Mais um convite para a nova versão de minha Performance

Trêmulo

composições sonoras de Guinha Ramires



Dia 27/07/2008-DOMINGO às 18:00 hrs Na Pracinha da Lagoa da Conceição-

Ao Lado do Casarão Bento Silvério


Para quem se intereressar, estarei com meu novo livro à venda no local.



A performance em versos, ao som de meu corpo, se desdobra ao acontecimento.


Performance é acontecer- aqui e agora. Como diz Ricardo Aleixo

"já demorou, é pra já".


Poeta que veste roupa de trapo, leva uma frigideira, um limpador de assentos, sorrisos, e choros.


Poeta leva acordes de um músico, sopros de outro, água que escorre e pinga, pinga.

Poema faz barulho de goteira.

Poema vira acordeon e tango.

Palavra ao som e ao redor de tudo.

Vento e Marulho.

Acordes se transformam em coro, mais vozes.

Um som. Sons.Sons sorvidos, derramados, curtidos e cheios de emoção

Se não: pão

Poema ,poeta, e não-poeta se confundem à mesa com dia-a-dia.


Você não espera, de repente, chuta uma pedra:

sai um poeta, gritando, cantando ou sussurando poesia.




Performace-dá dúvida e incomodação.

Performance dá coceira.

Performance faz a gente tremer de alegria, tristeza, ou dor.


Performance arrepia.

Treme.




Trêmulo-minha performance já antiga, tomou nova roupagem.

Agora com composições sonoras de Guinha Ramires.


É apertar os cintos e viajar no som que a palavra cria, partitura que a voz escolhe e dança que o corpo move.



ESPERO VOCÊS!


7/18/2008

Antes

Eu vim abotoando a camisa
e rasgando todos os telefones
do passado

desfolhadas escolhas
rostos escritos com giz

você veio ao meu lado

abrindo os portões
lustrando as calçadas

e contando os kilômetros
entre os meus passos de adeus
e um beijo

e se eu quero partir
e colo os frangalhos desta história?

e se de
rente
eu quiser mesmo
ir?

por que você me dá a mão

e segura esse calor
como o solstício
mais esperado da estação ?

você prende meus pés

tapa minha boca

ajeita meu cabelo para uma foto

pego a mala


mas no primeiro passo

pedaço


fica comigo

ou com você?

6/20/2008

Fogo

Eu vim correndo
com o rosto
todo borrado
de nao

mas vim trazendo
uma sacola
com uma constelacao de
mascaras
pressupostos

mentiras contadas ao pe do ouvido

tudo para rir
com voce


ontem eu pisei em dezessete
pocas de lama

desarmei as roupas
brancas
e as brandas tambem

vestido vermelho
de demais amor

muito amor

nasceram crisantemos
negros
nesta minha carta

perdao as palavras

o escorregador
de lagrimas
esta embutido

prateleiras
e prateleiras

colecao de lixo
embaixo da cama


E voce vem com um fosforo

no meu peito
que era

cinza de ontem
e brasa
de hoje


queimo
queimo

queimo

6/03/2008

Desmanche


Rosto de madeira
quem está atás de ti?

uma caixa dourada
se abre

sapato de mel
pedrificado
grande perfume do passado

um passo antes
pequenas mãos
de criança
faziam um castelo
na areia

submersas
marinhas
um livro chamado
passado


as folhas chacoalham
chacoalham

rosto de madeira
e feltro

do passado

um desmanche
dentro de mim

rosto de madeira e couro
um dia
me vestiu inteira
de camurça e sêda
hoje
um frio
rosto de madeira e gás
agonia explosiva
conforta esta parede
de vidro
labareda de palavras
e cinzas
rosto de madeira e algodão
você no meu passado

tão berço

tão raio calor
tão meu

"Onde andará Fernando Karl?" texto de 2002-quando o poeta-nuvem evaporou-se.Mas dizem que...



" O pêssego é tão belo de se ver cheirar tocar e ler. Está tão cheio de sílabas afrodisíacas, mas seu caroço é tão apressado que cria raízes na própria fruta, de tanto desejo pela terra" Enzo Potel

Fernando Karl anda ausente como uma andorinha em tempos de frio. Noutrora esteve entre os pilares da Dide Brandão, e em sua imaginação instável como em dia de chuva, segurava um dos pilares com uma das mãos, e na outra, uma sombrinha fechada. Dançava e saltitava no ar. E cantarolava em preto, em branco. E como em dia de trovoada segurava os raios doidivanos, soltos e inconsistentes escritos como o raio: em susto, surto.

Talvez esteja resgatando o vão do " algo" que em candura (belo que deve ser) se dissolve na estrutura eufórica, melódica e lírica das palavras. Ou ainda atirando outras borrachas, mandando embora toda e qualquer correção para o embelezamento sem conexão entre os versos. Onde se busca a essência que, em maior número perde para o universo único de cada palavra. Na Galáxia de Karl cada palavra tem uma função de planeta, cometa, ou estrela. O poeta deve usar de preferência as palavras estrelas que como no céu, parecem cintilar paradas e desorganizadas. Elas como no poema, "são". Elas não querem dizer, não se bastam, não se conjugam, não se exprimem nem condensam e às vezes, nem se tocam.Talvez uma estrela nem conheça a outra.

Seja lá em que constelação Karl vive, ele traz a liberdade ao poeta, a valiosidade de suas letras, a dedicação total a uma casa que muitas vezes ele brilhantemente vive, talvez não no rabo do foguete, mas no comando de tal. A experiência que ele leva nessa jornada galaxial transmite o vento que balbucia o primeiro contato, o primeiro " ver" diferente.

Onde andará Fernando Karl? Em novos mares, num barco em que a poesia começa, se inicia, mas não pedrifica? O sopro Fernando Karl também deve estar com ele. No silvo libertino e gracioso da pequena praia de São Francisco do Sul ou melhor, na procura incessante dos belos nomes dados aos seres do mar, às conchas que cantam ao pé do ouvido. Sem qualquer ordem ou significado, em breve tudo virará poesia, para ele, que como o pêssego (palavra estrela), cria raízes dentro de si.
*Imagem de Joseph Beuys

5/08/2008

Ícaro e seus balões de cera


Só sou livre quando escrevo. É por não possuir aquilo que mais quero que o quero mais. Eu escrevo como quem chora uma canção entre voz e lágrima. E não gosto de explicar. Eu só deixo o acontecimento e as palavras me assaltarem, ou me confortarem. Defendo a água corrente de meus dedos porque nada pode me fazer parar de escrever. Eu escrevo enquanto inspiro. E quando expiro, as palavras já estão prontas pra germinar. Eu sou uma semente ambulante, procuro um pedaço de texto- terra, porque quero brotar logo e mais e mais.Eu gosto do caminho cheio de ruelas que o pensamento faz entre as palavras, permeando abismos e florestas de bromélias. Gosto de como a palavra vêm, muito mais do que como ela se encaixa no texto. Gosto da água que corre por todos os lados, muito mais do que a certeza de uma lagoa que nunca transborda. Eu gosto do natural.Escrevo com os sentidos mais efêmeros e imediatos, com a sensação, com o "estar". Quando vem o cheiro de noz da sua comida eu canto versos em silêncio. Sorrio por dentro e as palavras me alcançam. Eu coloco primeiro a pergunta no ar: "qual seria a palavra?" qual seria o som que traduz esse momento único na história"? Então, eu gosto de escorregar na certeza.Eu já sei o que quero dizer, mas quero me perder no que escrevo, para nunca perder a vontade de descobrir a essência de um poema. Porque é o mistério das palavras, e a dúvida de um desencaixe, de um "erro"da fórmula, que me seduz.O que é perferfeito e conciso não me faz pensar. Então eu vivo a realidade em busca de pão e café, para saber a resposta. Eu escrevo por que não sei, e quero entrar dentro do que não sei, e continuar errando a resposta, para saber o caminho que me fez chegar, e principalmente: "para não perder o prazer da busca". Dentro do que não sei, aparecem muitas imagens. Eu fecho os olhos e a paisagem vem. Eu escrevo porque gostaria de lembrar sempre a imagem que me habita quando fecho os olhos. Eu vejo muitas coisas, e queria ficar mais tempo olhando, olhando, olhando, respirando a paisagem. Então eu escrevo como quem guarda uma paisagem em uma caixinha de algodão.Então eu abro as palavras e me lembro do momento exato em que ela apareceu pra mim.Eu queria ficar mais tempo contemplando tudo o que crio. É como se o lugar da escrita estivesse coberto de sonhos e verdades que eu gostaria de vivenciar. Então dentro do poema, eu posso sentir tudo aquilo que quero e criei. Então posso ficar próxima ou distante de mim, através do poema. Enquanto ando em direçã ao ponto gostaria de estar catando conchas, descendo serras neblinadas, ou no alto de uma montanha dentro de um chalé de madeira e silêncio, rindo com alguém. Rindo de uma nuvem boba que faz gracinhas ao léu. Então a poesia me adorna, e eu posso estar e ser lá: a nuvem mais boba ém céu aberto. Posso passear entre o azul rarefeito. Se toda minha verdade sobra e se definha entre as ruelas obscuras do cotidiano, quero persegui-la, não a quero deixar morrer. E como estou presa a padrões e prejuízos, e como estou em uma fôrma de bolo, molde a todo tempo, respondendo a perguntas racionalmente, seguindo um futuro traçado pelo suor, sal e colheita tão densa e dura, persigo o que me podaram. E a mim podaram o natural, o erro. O que nasce a todo tempo e podo , podo, antes de vestir o terno.Quando escrevo grito!Quero gritar mais, quero me encontrar aonde não me deixaram abrir a porta. Quero exaurir a liberdade da minha essência.Gosto do fluxo, porque o que é natural não está pronto, e não tem medo de mostrar isso. No fluxo posso ver a verdade que oscila, vascila, devaneia, e tem medo da dúvida, como eu. Gosto da escrita que está perto de mim, e de mim não está perto a certeza, a razão e o "correto", o "ideal". Tenho na minha escrita um companheiro frágil ou forte, oscilante bicho homem. Mostra a ferida, o querer não aceito, o drama, o cruel. Não quero o ditado na escrita,nem um mestre, quero um companheiro que me convide a entrar e dividir tal quel ele é. Quero um espaço pra me encontrar dentro da escrita, sem ter vergonha, sem maiores redutos e clareiras da razão.Eu escrevo como quem enche quatro mil balões coloridos e voa seguro de que sairá ileso. Só pelo prazer de nunca ter feito, pelo prazer de ver a cidade por cima das águas.Preso pelo próprio ar. Escrevendo me liberto. Eu escrevo como ícaro com a liberdade sem medo de mostrar a faca.Mas não aponto. Eu escrevo como as asas e balões de ícaro, que derretem seduzidas pelo sol.

4/11/2008

Perseu e o senhor que unge


cama de nuvens.o gato perseu entra na igreja. gato com coração dilacerado é uma lebre.velhinho dá um abraço em Nssa Senhora Aparecida. perseu, o gato cinza, queria ter mais tempo para ficar contemplando a imagem. embora dentro do seu silêncio, perseu prefere o silêncio dolorido de uma igreja. ele gosta de ouvir, entre respiros, algumas gotas salgadas formarem poças de alívios.alívios.o leve de um alívio. perseu sofre, mesmo com seus olhos de tigre-dente-de-sabre. mesmo com suas lâminas bucais. perseu gosta de dormir nos bancos das igrejas.perseu gostaria de ter mais janelas onde observar o mundo. perseu ama os companheiros, mas gosta muito mais de dias de chuva dentro da casa de madeira ,vapor no ar, e estar só, por detrás da solidão. perseu adora fumaça e sossego.adora a tranquilidade de uma oração. perseu gosta do coração de jesus. Aquela bola entre os espinhos não precisa expirar água, não precisa gritar. perseu gosta de ficar no canto e deitar-se à sombra do velhinho e suas mudas de lírios de plástico. perseu gosta de ver o barulho bem de longe. gosta de andar e ver, andar e não ser visto.gosta do cinza para poder se proteger dos raios.gosta de chorar sem ser percebido.é que perseu chora pra dentro.perseu queria, para sempre, ficar dentro da igreja, perto daquele coração que derrama perdão, amor e vermelho.perseu gosta de andar enão ser visto. perseu gosta do coração que sai de dentro da roupa. perseu gosta de ver as pessoas se ajoelharem e de repente caminharem nas nuvens com o senhor que unge. o senhor dá as mãos a todos. acena sempre um panfleto de milheiro, com esperança entre os dedos.o senhor acaricia o rosto de perseu. o senhor não sabe seu nome. mas sabe o que perseu precisa.o banco. o branco do recomeçar.as nuvens com pêlos macios e claros.e a paz para chorar e para rir, quando quiser.perseu queria ter mais tempo para escrever histórias e mostrar ao senhor que unge. perseu gosta de dormir sabendo que o mundo não vai cair nas suas costas. perseu fica brincando com as joaninhas sem matá-las.perseu só quer o movimento de dentro. perseu quer ficar ali, sendo ungido pelos lírios, pela serenindade do senhor que abraça uma unção sem saber o seu nome. com aquelas mãos ungidas. que por causa do tempo, não tem mais medo de tocar, tudo o que existe.
*foto: Eduardo Green

4/04/2008

Caixa de abelha para Leandro Fortes e Romy Martinez


Caixa de abelha
dentro do guarda roupa

porta de vidro
e notas traçam
o caminho
entre dois
grudo as mãos
esperando você

o seu sorriso
pode abrir
e aparecer
na janela

caixa branca
e amarelada

fotos dos nossos
dias
balões
estourando
de alegria e cor

as abelhas sobrevoam
o quarto
procuram pousar
entre nós
querem nos unir

ao mel


eu vi duas rainhas
andarem no teu corpo
contaram meu segredo

cantaram a orquestra
alinharam as abelhas

a caixa se abriu

e eu não sei se essa música
que toma o quarto
é um enxame

ou a sua voz

saindo da tampa

pairando

suspiros

3/27/2008

joaninhas em silêncio


Eu podia só ficar
guardando os seus olhos
no entanto venho colecionando
faíscas da sua fala
e ainda guardo
sua roupa
com esperança
no porão
e tudo começou
em uma conversa
oferendas
e girassol
hoje você
me bate
e arranha meu rosto
você fica se batendo
por mim
nossos restos
em um carrinho
de construção

nossas cinzas
nossos cimentos
de distância
agora
são arremessos
e facas
voando entre nós
estranho
quando outrora
catando joaninhas
em silêncio
no vôo de nós
um sorria
dentro
do outro



3/17/2008

Carta dos pingos.



Sobraram muitas boas lembranças dentro do pote na estante do porão. As vezes eu olho o vidro de perfume que acabou. tenho vontade de discar os números e ficar invisível falando com você através dos sinais. quando chove, pode olhar a janela e ter certeza de que eu estou escorrendo em algum lugar. muitas partes de mim estao sem vontade de continuar. as palavras ficam diluindo enquanto durmo, depois elas viram uma poça. quase sempre eu acerto a lama.ando com um medo do mundo que..mesmo se você me desse a mão eu pensaria que é tarde demais. os olhares me medem por todos os lados.as pessoas choram porque não são a poesia que eu escolhi. mas não sou eu quem escolho o poema.ele é quem vem me caçando entre tábuas e sopros de dor.eu só escrevo sobre a dor. a dor que as vezes fica cintilante de tão carregada.ás vezes eu preferiria ir embora. pra sempre.porque parece que a minha voz sai entre o mundo, e o mundo tem um tampão grande no ouvido. sou lesma.uma lesma frágil e feia que fica esperando enquanto anda devagar.as vezes o mundo me pede água. e nem de gelo nem de água minhas retinas se enchem. eu nao tenho mais nada para dar.quem vai ficar comigo?por que essa lâmpada da madrugada se quebrou.e parece que a luz é frágil. parece que uns gaviões estao com facas querendo me pegar.eu tenho muito medo de mim. do que não posso fazer.do que pareço para o outro, mas não sou. de verdade. não sou.tenho medo do que ainda nao consigo.ás vezes quando tudo voa espaço a fora eu lembro de nós em cima daquele telhado. o telhado tinha um monstro feio. e nós ríamos do feio. hoje temos medo dos monstros, de sermos nós o monstro mais feio. nós ríamos entre os corredores de um sonho que até então era nitidamente possível. só a neblina e os chocolates nos inspiravam.era tão bom inventar de chorar sem motivo.embora você sempre tivesse no escuro, sempre foi você a minha luz maior.não importa agora se você me vê como uma nódoa.eu sou um resto de pó. que sobrou em cima do seu lençol.eu quis ficar ali, para ningém me ver. se soprar, deixe que eu tome a dimensão do seu quarto e do seu pesar.eu não tenho mais nada o que prender.pesar.perder.


3/10/2008

Em mim *foto: Raquel Stolf




o fantasma de você

assombrando todos os cantos


a fumaça sem você


meus olhos vermelhos no espelho


meses, folhetins

calçada sem branco


calçada sem suas pegadas


onde você anda?


crateras abrem na minha pele


e a sua escama

abre mais feridas


com o tempo

a cicatriz aumenta


com o seu sumiço


o meio de mim fica gritando


mas respiro e suplico


costuro a sangue frio




meus olhos amarelados no espelho


a torneira espalha água


barulho de ninguém em casa



a mesma água que sai de você


o silêncio de você


onde você me guarda em você?




seus copos de sonho



embebedam para infinito escuro


da madrugada



onde pousam suas chaves

mais secretas


eu quero quebrar



onde soa


a miragem de nós dois?








em mim.

2/18/2008

Pandora e a caixa de cordas


Que tudo se aquiete

que se abra o violão
e saia a bailarina
e seus pés de asas

que ruflem na caixa
de música

que a madeira do violão
se abra
e vire um barco
no meio do mar

que a dança das luzes
na água

que a dança das folhas
que as formigas carregam

que a dança da sua voz

tornem taciturno todo o caos
por um instante

que a bailarina Pandora
tire da caixa
de cordas

os desatares
a última
réstia de estrela

que a madeira bailarina
do violão

dance no mar

2/11/2008

A Imperatriz das trevas


Até as palavras desaparecerem. E se não existissem palavras? A sua carapuça ia derreter. E se dependesse do seu corpo, como suporte do que você é , o mundo estaria perdido. Além das palavras existe um sentido, o sentido do resto de pó, que você deixa para alguém limpar. Rainha da sujeira, rainha da roupa suja. Venha lavar a marca de sangue das suas palavras. Suas palavras atiram, cospem. Mas na sua carapuça deslavada, você ainda acha que atrás das palavras, pode ficar parecendo a flor mais graciosa e silenciosa do jardim. Até a Imperatriz, sabe varrer onde sujou. Sabe dizer e agir, falar e dar a mão. Para ser rainha, antes é preciso ser escrava, sim. Você seria capaz de dar um beijo em uma criança com lepra?É claro que não. Você é limpa demais. E quando encontra a verdade de palavras lapidadas, um pensamento que cabe ferir alguém com classe, você não hesita em jogar feijão em quem está muito alegre. A alegria que você se frustra em não conseguir ter. Depois você olha o céu, onde de repente você gostaria de plantar sol. Há quem acredite na sua falsa tentativa de ser feliz. É fácil ser leve como a pluma, quando se coloca um caminhão de lama na frente da porta do vizinho. Quem é mais infeliz que eu? Todos devem ser. A terra não pode obedecer só as palavras, dona rainha da colméia. A terra quer ver seu caminhar, a terra quer ver a sua dor e a sua ira, a sua sombra e o seu cais. Não se pode evitar o ruído para se conseguir o silêncio. Só tem mel, quem faz mel, quem dá a mão, quem age. Por trás da suas palavras eu só vejo terra. E por trás da sua cara, eu vejo fel, fel, fel. O fel que liga sua estranha mania de culpar os outros pela sua desgraça. Até as palavras desaparecem. De que valeriam teclas na sua mão, se você não reverencia seu dom, se você reclama , reclama, reclama de terem levado seus anéis. Enquanto de outros, levaram até os dedos. Eu quero ver a Imperatriz das trevas, chorando e pedindo perdão.

2/07/2008

carrosel de milton


Meu coração descansa milton. um coração respira milton.travesseiro com agruras de milton.arranco minha útlima camada de casco rejeitado. milton suspira na canção, me cheira inteira.milton.toca os pés, dança o corpo que estremesse no sofá. o sono dos insetos que moram na cozinha.milton, um rio silencioso que desenha as matas com uma delicadeza de falta.de folha nova em galhos verdes. milton descansa os passarinhos das gaiolas.abre os postais de paisagens que desenham as janelas de um trem mais manso.milton se deita nu, no sol entre as geleiras.desce da mais alta torre de corais que envolvem música e mar, cadência de água chegando na encosta de areia. carrosséis para o infinito.milton dá a certeza entre os vales que há. milton vem dos vales. vale dos sonhos entre nuvens.carrossel de vozes celestes. milton e a trombeta que escorre o soltar de um espírito, que desemboca no mar,mar. mar que milton não nasceu. mar que milton descobriu entre ar e onda, entre as mais doloridas


montanhas da voz.

1/31/2008

Alas de Giovana



Para Giovana Venturini


O mar e o mel
no meu sorriso
giovana

que dedos você
escolhe para cavar
da terra a esmeralda
em mandala
que povoa o rio
da imaginação?

invisível

onde dormem
as opalas, estrelas
e consteações
da sua voz?

borboletas
portas
alas de feixes
multicoloridos
fractais de luz


a mandala viva
dentro dos olhos
de um menino
com fome

dentro da gota
que beija o rio

a mandala respira
ao lado

a l a

a forma se aproxima
cintila e desenha
firme
o lugar da cor

terra se curva
a quinta
dimensão

sopros entre
turmalinas,
cristais em pó
rondam
entrelaçam

geometricamente

o mundo dança
por dentro
giovana

o mago de suas visões
seus sentidos
entre seus dedos
frágeis e tênues
pincel e cerdas
de cura

cor
cura
cor

a cura do mundo

o mundo dá as mãos

e suspira


giovana

1/29/2008

Ciúme






Talvez eu quisesse
que de repente
entre a rosa
que você carrega
na mão
e o céu
a solto
por todo
lugar

todo lugar

é aqui que você deseja
realmente
ficar?

Não seria necessário
que você jamais
tivesse sorrido

mas que
eu
na imensa noturna
lagoa do medo

tivesse certeza
de que seu maior
riso

veio do meu abaço
com saudade e sol

Eu queria apagar
todas as fotos

mas não posso apagar
seus prazeres

embora entre nossos
dedos escorra
gozo e água

fogo,

meu íntimo grita
a mesma incerteza:

será da minha boca
ou da boca dela?


será do meu sonho
e do meu falar

que o caminho se abriu

em girassóis e orquídeas?

Ou seria qualquer pele
com cheiro de hortência

olhos de lilás-hortência

que não revestem

apenas
e somente

o meu corpo?

Onde você esconde
sua maor certeza?

é onde eu quero estar

Onde é sua terra?

É nesta que passeamos
em círculos?

é nela?

Noutra
jussara, amarílis,
avenca
menina?

e se eu não puder
dar

aquilo que você mais precisa?

e se aguém o possuir?

Minha placa é de declive
ruína e montanha

embora entre
os nossos suspiros

eu veja a fumaça verde
que costura
nossa minha
esperança em nós

tenho um medo
de não possuir

a vista da colina
que você mais
rememora


o cheiro que mais
marque suas narinas

a pele que você
mais pulsa
suar

meu maior calafrio
é não estar
entre seus eucaliptos
de respiro

embora eu traga
amoras silvestres
que exalam
entre os cabelos

meus pés
são de roda
e buraco

um buraco
de pedra frio,

fundo

e eu tenho um medo imenso
que você queira

mas não consiga

me dar a mão.

1/07/2008

Dente-de-leão






Vou soprar

do alto da torre
um dente-de-leão

que ele voe até você

com todas as risadas
que colecionamos
entre a foz
do rio


e o cais


você
dente-de-leão

sempre depois
ruptuosas tempestades
era o único
que se abaixava até o abismo

e me oferecia a mão

joguei as pedras fora
leão

joguei os dentes fora
fera
sossega-leão

estou esperando o seu abraço

eu sei que estourei o nosso balão
é que foram se amontoando
escárnios e carnes pútridas
que foram aumentando
crescento

na minha alma

até que explodiram

eu juro que tentei não acertar

mas a bala do meu mundo
culminou você

mas estou só
na torre
onde o leão ainda não se prosta
ficou só a lenda
do leão que tentou
não morrer de dor
dor
aquilo que fez
eu brigar você
minha dor
e
mesmo indo embora

você deixou uma folha
de alcachofra
e uns lápis

gris

como a cor

de nossas capas

e todas as coicidencias

que voam em dentes

para sempre