11/08/2006

Cort e

O pedaço de pano amarrado na perna. Ela queria se livrar, abrir a tampa do vidro.Era preciso arrancar a raiz.Doía muito arrancar de uma vez, e doía muito arrancar aos poucos.O pedaço de pano.Cheio de cera de abelha.O pedaço esmagado pelo movimento.Queria arrebentar o laço. Queria adoecer a doença, matar aquela parte.Queria uma sombra ou uma arma. Um encosto ou uma solução aquosa.Queria molhar o pedaço de pano.Queria vedar a boca.Não responderia mais nada.Que observassem. Que observassem ela, seus gestos, sua língua, sua vesícula, seu estômago, sua febre. E que silenciassem apenas. Que silenciassem diante da sua gosma viva, da sua fraqueza, da sua desistência. Que perna amarrada perante todosfosse um testemunho. Que o decepar do membro fosse explícito. Era preciso soltar a fera que ardia o pano encerado.Que não perguntassem mais nada nada.Que a deixassem ser a lamúria, ser o breu do fim da noite, ser o bueiro, ser a lama.Que absolvessem, cruscificassem, aplaudissem ou a deixassem de vez. Que vissem nela aquele pedaço arrematado. O pedaço marcado por seus próprios dentes. Que pudessem enxergar, que ela não conseguia tirar aquela parte, que ela tentava enterrar o membro mas que ele lhe rogava a pele, puxava-lhe os cabelos, e se deitara com ela antes de se enozar em seu corpo.Que o pedaço de pano encerado amarrado na perna era uma crosta, um germe, uma fecundação, que ela não conseguia se livrar .Que o pedaço de pano na perna dolorida se alimentava de sua morte, de sua lágrima, de sua ritmia cardíaca. O pedaço de pano de aço havitava dentro dela, mais que a perna.O pedaço dela.A perna inteira ficou perna trapo.E era ela quem tinha amarrado e era ela quem ia ter que corta r.

10/31/2006

Para os orangotangos lés

Poste

Foi adiando que eu já
Pesquei
Que era sempre adiante
Que os seus olhos iam

Você sempre pareceu buscar
A pedra do fim do túnuel


Quando você passou
preso na correnteza
Eu tava grudada nos canos

e

há muitos
meus encanamentos
se esgotaram

Você sempre quis
bus car


parecia querer sempre
estar lá
bem alto
bem longe
bem
fo
ra

eu não passei
nem diante
das torneiras do teu castelo

Você se es qui vou
de mim

pulou todas as cercas
afoitou meu desconhecido

onde é que nós estávamos
com as nossas coisas
quando tudo isso
se armou
contra nós?


Na baixa de uma couraça
de palavras dirigida
à platéia

você que me esqueceu no palco
você nem abriu os braços

você me implantou a vontade
de ser um poste
antes mesmo de me chamar
de flor


eu queria era experimentar

ser o bruto, o altivo, o injusto, o delito

um

pos
t
e


pos
t
e

pos
t
e

na tentativa de dar a luz

sem me espalhar.

Ganhando dentes

A vida não é uma competição
Ninguém aqui é trave
Goleiro nem perna de artilheiro

A vida é uma fissura
É uma inovação
Não é tão pouco guerra
Porque quase ninguém toca fogo
De verdade
Por muito tempo
Muito tempo
Mas a vida é quente
fremita

É uma resistência
De variadas
É uma resistência

-Era preciso desistir
Haviam dito.

Mostrar os dentes
Dobrar as canelas
A vida é um empurrão

Pasmem

Não há de que se abrir a porta
A muralha é grande demais para nós
Adentro
À fora
Há avalanches desejo
E calmaria por de cima
Da angústia arrematada
Todo mundo se amarra

Por dentre millhares
De dedos
Buscando o enlace
a vida é uma dobra

que advém da esquina,
ao rosto quando toca
a brisa já
inesperada
da curva?

Corram

Há de se correr de nada
E de além de si
Correr é a bravura
Para quem precisa rasgar
Cair
Descer
Vomitar

Correr é o remédio
Porém não há do que se fugir
Além das próprias pernas

A memória
A causa
E a insistência
Não são motivos para correr

Correr é pulso
A cadencia do caminho
Herda o amarrado redemoinho da ronda
Rondar é a vitória
Mas não há de se competir

Há abismos na procura
Há desencadeadas forças para a curva

Não há coronel na escrita
Nem há de se conseguir medalhas, premios

Ao poeta cabe olhar o muro alto
Cabe olhar a paisagem entre os musgos dos tijolos

Cavalo dado se mostra o dente
Porém,
Rir é o melhor

Há de se mostrar os dentes,
No riso e na febre
Os dentes falam
Mais que a boca

10/11/2006

Pérolas

Nada está claro.
Ou estamos jogando pérolas ao porco
ou nós é quem
estamos no estrume
chiqueiro

ou no apoiamos
no papo do café
pontuando a política
e reverenciando
o caos

Ou nós é quem estamos bagunçados
ou o mundo é muito organizado

ou nós é quem relinchamos
ou os códigos e as armadilhas
nos escolheram

quem está clareando o que?
quem é o sujo?
quem é o limpo?


estamos atrás das
palavras cheias do mundo.

10/08/2006

Feliz Cidade

Por causa da dor, cortou o cabelo. Cavou o buraco, jogou as sementes. Não plantou. Caminhou serenamente por entre os mormaços do fim da noite.Disse " oi". Não disse obrigada. Esqueceu o riso. Gritou dentro de casa. Pediu mais uma chance. Implorou. Queria entender o limite. Onde acabava e começava tudo aquilo. Onde ia parar o latejar. Poderiam ver. Poderiam machucar mais a carne travada. Precisava de um motivo para encher o balão. Precisava de uma colher de prazer. Queria uma injeção contra o sentido. Podia ver viver e apropriar o jarro para o suco. Mas se inquietava com a incerteza sobre o certo e o errado. Serviria sonhar?Imaginar folhas, trens, passagens, encontros?Adiantaria sentir tudo aquilo só?Precisava respirar sem sentir, precisava ficar sistemática. Precisava de um cabresto para emoção. Sabia certamente que era impossível continuar sem limite. Sabia que se explodisse talvez ninguém entendesse porque tremia. Por que gritava. Queria ouvir os canarinhos para aliviar. Mas era quase impossível parar a sua busca. Essa sem limite de passagem e saída. Queria só ser feliz. Mas talvez, se não controlasse a amargura, seria difícil explicar seu ato. Mas era seu limite. Era limitada. Precisava se habitar para desbravar, será que seria mesmo aquela parada?Deveria mesmo fazer força para chegar àquele vagão?Estava deparada com a fronteira. Precisava chegar à Feliz Cidade.

10/04/2006

Rúbia

Ela carrega uma incerteza no olhar. Uma vontade insistida de não se sentir indignada, febril, prestes a...Como aquilo poderia lhe acontecer?Ela estava arrependida de se ser.Como ela poderia ter errado o comando? Qual controle tinha lhe fugido a autonomia?Ela preferia não ter que vê-lo. Ela preferia não ter precisar fingir. Ela precisava se esconder daquilo?Mas como?Se a vontade forte era de acabar com a existência d‘ele e daquela mísera dor que arranhava como um garfo em louça o seu meio do peito. Ela jurava nunca mais ter de passar por aquilo, nunca mais iria se permitir sorrir, beijar, e falar docemente. Se pudesse, ela arrebentava as flores e os motéis, as praças e os sorvetes de creme, e as maçãs do amor. Ela poderia fazer aquilo, mas não bastaria.Ainda precisava de um motivo para continuar. Não se permitia nem sequer uma segunda chance. Seria uma pedra, daqui por diante. Talvez respirar fundo e mudar o cabelo. Ela estava no fim do fim do fim do travesseiro. Não podia se absolver. Como poderia cair em tão fina e cautelosa armadilha? Foi o ponto fraco que a engasgou.Antes de sair, conheceu fielmente as penas amassadas na explosão batida do fofo e do soco. Ela nunca havia tomado um murro, em seu belo salto, não conhecera de perto a violência física. Mas conheceu a surra moral. Ela precisava, naquele momento não doer. Mesmo que tivesse se perdido, ela ainda era parte daquilo.E essa a pior parte.Como poderia não ser mais o lixo, se outrora cativou o bueiro e acariciou o esgoto? Como não seria mais a metade-suja se outrora era e sentia-se metade-mor, metade-privilégio?Mesmo a sujeira estando debaixo do tapete.Ela precisava ir. Ao encontro do muro do estouro e do furo.

Des percebida

Se a ausência alivia, será que posso utilizá-la de mim?Tentarei escrever sobre esse sentimento de querer passar pelo mundo sem ser percebida.Era preciso estar transparente. Não como a clara e tênue camada de transpiração, nem tão pouco como clarividência das águas. Os copos suam com o seu respiro. Era preciso me fazer fora de mim, para melhor ver. Era preciso me desamarrar do corpo, anular-se. As máscaras me substituíram, eu posso ser. Qualquer ser eu pretendo. Porém nada me aniquila a vontade de não me perceber, de me esbarrar sem me ver, de sumir-me sem me achar mal faltante. Era necessáro para aquele momento de suor, não pensar. Era necessário trans perceber, desapropriar a segurança. Desvendar o mistério da não existência viva.Era preciso, sim, era preciso, passar ausentemente, gargalhar ausentemente, era prefirível, era preciso.

9/26/2006

A sombra em ação

Desapercebida
se deparou
não era
não podia se espantar
com a própria imagem

é amarrada a vida
impossível descansar
há o que se fazer
o pó a se atirar
o buraco da parede
limpa
arruma
ajeita

quebra no espelho
assombrada
ela se derruba
seria ela o vulto?

confundiu a sombra
desamarcouo suicídio
era impossível
desistir

9/19/2006

Dúvida

Ela queria apenas colocar um pouco de felicidade espontânea no pote. Ela queria poder guardar um gozo, uma válvula de escape para o tédio. Ela queria apertar um botão melhor, mudar a cena, a toalha da mesa, o garfo mais curvo de força. Ela queria dar para alugém um pouco daquilo. Pensava em ir até o fim do arco-íris, mas ele se demorava a chegar. Um dia chegou a pensar que o pote era fictício. Mas antes teve a plena certeza de que a fórmula a esperava em algum plano. Resolveu gritar, para ouvir o eco da resposta. Caiu no buraco. Perdeu o pulso da procura. Sentou no chão.A vida só podia ser a dúvida.Como um lapso corroído ao ato de sentar-se, desistiu.Perguntou mais uma vez para o além, onde estava o achado.Voltou ao estado colapso. O peito doeu, correu para passar a fuga. Como ela sentia aquilo? Como ele poderia vir à sua imagem, como poderia sentir tocá-la se ele não materializava?Como ela podia sentir seu hálito, se ele estava por debaixo da aparência?Como assim?Como ela poderia desistir de alguma coisa que precisava saber?

8/29/2006

Imóvel -Para Clarice


Ficarei até distinguir-me. Ficarei no chão de riscos paralelos amadeirados. Ficarei até esmiuçar-me, até nodoa-me, clarear-me, dolorir-me. FIcarei, ficarei, ficarei. Aqui, plantada e pasmada a espera do que não pode acontecer. Ficarei invólucra, cáspita, atordoada, corroída. Ficarei aqui. Esperarei. O homem imóvel se removeu.Vou ficar até me esgotar. Vou ficar até me exaurir. Há três pétalas no chão, não posso consumi-las. Não posso invalidar o sentido de consumir. Não posso consumir o homem imóvel. Posso ver suas mãos, posso tê-las na impossibilidade de o vento as trazer só pra mim. Posso ver os anéis do homem, posso comer o ar, e imaginar os dentes de quem poderia me desejar. Não posso me mover, o homem imóvel pode me deixar sem palavras. Como sairei daqui?Para onde olharei após levantar,?Que posturas devem tingir ao homem pedra esfera, tão certo da minha incerteza?A incerteza é dura como a certeza?A incerteza pode ser de ferro e aço?Ou a certeza é o inexorável cheiro da esfinge?A certeza me assalta de não-certezas.O que eles querem me dizer?Não vou me deixar.Se não, como irei?Estou anônima. Manuscrita. Não me conformo. Parece que não me sou. Estou espalhada.Fora de mim.Ou sou eu?Ou estão em mim todos?Tantos?Ou me desapareço comigo?Tenho que ir agora. Mas não quero.Espalho-me.Estou anônima.O que há?Que se desfolha e clareia. Eu me desapareço.Me perco o controle.Estou sem termômetro. Não posso medir a incerteza, não posso medir a decisão. Ou deveria não ser mais?E o que vou ser se não querer?Finjo.Não posso deixar que identifiquem a minha dúvida.Não quero assumir uma resposta.Não vêem que acabo de me perder?E pareço ter encontrado. Mas estou imóvel, fora de mim. Como pegarei o achado?Como embalarei para dormir o novo?Como darei nascimento a isso se ainda não posso ver o filho?Como posso dar uma vida?Como posso estar certa de que vivo?Estou imóvel e incerta.E ficarei aqui.

8/16/2006

Ralo- das influências do RAP

É o ralo.

Quase ninguém se atreve
a pisar
mas se olhar bem no fundo
todo mundo é de lá

é o ralo

escondido subdouro absurdo
sujo submundo
mas é parte de você
e a maior de todos nós

se quiser dar uma olhada
abra a tampa do bueiro ou
espie a tv
ou se já é alienado
olhe dentro de você

é o ralo

6 milhões de bocas
sem comer
e eles querem reformar
o que?

São partes do mercado
e eles querem me comprar
são tiros
gritos pelo morro
eles pedem pra eu ficar

mas pergunta à assistente
se ela pode vir morar

não vai pagar
não vai pagar

o sorriso que eu plantei
a idéia que eu pensei

quer comprar?

mas não vai pagar.


aqui no ralo
não tem como esperar
o que é sólido
eles ainda dizem
desmachar no ar

Freud não me explica
e o que eu sei
é
do ralo
eu ralo
pra ter
e ainda tenho que comer
se ainda fosse só um produto
que eu precisasse pra viver

eles dão uma olhada
e já querem asfaltar
mas aqui no ralo
a gente quer a beira-mar


bonequinha salto agulha
desculpe eu te espantar
mas enquanto tu passeias
eu me vendo pra pagar

pagar e comprar
pagar e comprar


meu futuro iluminado
só pode ser

ralar pra ter
ter ter ter
ter o que?
se no ralo eu ainda pago pra viver?

8/11/2006

Exata

É uma certeza exata.

Nada pode acontecer hoje

mesmo que pareça


Mesmo que pintes o teu olho

da cor que pretendes ficar


Que te deixem as escolhas
escolher o que?

O caminho é natural.

na sobra desse dia
nada de novo pode acontecer

eu vejo!

Aguardo friamente
no banco gelado da praça

essa incerteza exata
de que o nada aconteceu.

Neblina

Sob mim o silêncio
o mudo caminho
de ir-se.

Me vou
arrancaram-me os motivos
para não ir
a partida é necessária.

Te deixo as bagagens
meu peito não suportaria
o peso de tantas malas.

Sob nós cobrirão os rostos
os nomes
seremos sempre estes,
estes que se amedrontam
ao dar o primeiro passo.

8/02/2006

Anti-Anêmonas

Inevitavelmente eu pergunto quem eles são. São proprietários de um corpo “tanque”, e talvez seja esse mesmo o seu principal objetivo. Não sabem perguntar. Aliás, perguntar o que?Se está tudo tão esteticamente pronto e entregue?
Talvez nunca tenham pensado em envelhecer, e que na velhice a manga fica murcha não dentro da gaveta, mas diante do reflexo. Eu me pergunto quem eles são por detrás das luzes e dragões que consomem pela pele e pela língua. Talvez eles, esnobes e covardes não experimentaram o vento, e também não viram que o ar pode dissipar as folhas de uma revoada de sentidos. O espaço, onde sentam e o que falam não importa.Só pode não importar! Porque em vez de transpirarem álcool dinheiro foto e marca, nitidamente não viram que o espaço é grande e que nós todos somos pequenos demais. Não, eu não comprei nenhum deles, eles se compram, se valorizam, apesar de não saberem responder onde fica o fígado e o que é a bílis. Do que eles gostam? É tão efêmero seu gosto e sua preferência que para saber, só ligando pelo menos vinte minutos o aparelho falante e iluminado com botões acionados de R$.
Eu me pergunto quem eles são. Homens de aparência merecida pela natureza. Eles puderam conhecer o mundo, traçar territórios, crescer e serem mais. E ficaram mais podres, mais arrogantes, mais sem caráter mais ascos mais sem cultura.Talvez nem saibam o que é cultura, mas estão criando a nossa. Nós pobres seres de letras e imagens que observam a vida e sua estranheza, a sociedade e sua complexidade.
Nunca pegaram na pá do lixo, nem para saber o seu peso. Talvez nunca tenham olhado de perto, sequer notaram que alguém a segurava como último consolo. Ou que sob o pó de suas istantes, talvez a empregada doméstica tivesse chorado a dificuldade de um dia sob a cômoda de algum de seus quartos.
Nunca contam vida. Mas somam rodas, latarias, piercings, bonés, e tribais e lisos cabelos de meninas-barbies .
Querem, querem, querem. Foram educados para nem pensarem se sim. Compram, e acham que tudo está a venda, até o sorriso e o grito. Eu me pergunto se um dia eles vão desejar o que não tenham visto. Se vão deixar de se apoiar em happy –hours músicas sem processo e futebol.Se vão ser mais que uma anêmona.
Eu me pergunto se eles são. Ofereço minhas letras e minha retina aglutinada de olhares de todos os lados captados. Espero qualquer manifestação: discutir brigar apaixonar. Eu espero uma reação qualquer, um movimento. Mas eles não são capazes.Talvez se eu estivesse com alguma parte da pele-proibida è deriva, eles me falariam.Mas até a anêmona me cederia o olhar, sem que eu precisasse mostrar a cor da minha erótica. E eu me pergunto até quando vou ter de vê-los e respira-los. Antes fossem mesmo apenas anêmonas.

7/17/2006

Trans um

Há na transparência
o refugo de um respiro agoniado
o vidro não podia me mostrar
eles não entenderiam
Que a vida só podia existir
Por detrás da mancha de gordura.

Da transparência

Há um caule morto
por detrás do vidro
a transparência da forma
me ramificou a melodia dos anos
as linhas entre os azuleijos do chão
me abraçam
meus olhos direcionam ao nau descanso
dissolve todos os cacos
cerra minha fronte
detrás do vidro
eu preferia não me adormecer
por detrás da transparência
eu preferia me mostrar
já ser morte.

7/11/2006

Meio alheio

Eu,
não tenho controle
do submeio
são coisas simples
uma janela quebrda
um botão de roupa
uma costura esfarelada
pelo ranço da minha pele
cansada de suar.

O tempo não me deixou
movo a força
movo a tensão
mas a força não me move
não me resplandece
não me sorri
a luz final do túnel

e vejo a força
taciturna do tempo
me perdendo
a morada do corpo
entre pilares cinzas
as ruas longas
da capital arredia
alheia ao silêncio
da minha muda camada
de paz

Antúrio dos Anjos anuviados

Mulher,
Quem te sossega esse coração?

Fizeste o berço
Ergueste os braços
Acolheste o desabrigado

Pagaste as contas
Adiantaste o almoço
Tomaste dois comprimidos

Quem te absolve deste estilhaçar
De teus cacos confusos
No chão?

Te esmagaram no piso
A mesma mão que te almofadou
Os pés
Em teus sapatos de cristal

A mesma mão te rondou
breve
que acariciou tua cabeça,
quebrou efêmero e calejado
tuas esperanças empilhadas na cabeceira
do sonho

Não dormiste a espera
Do teu abrigo
Passaste em claro
Unhas e borrões
Perdeste o jogo
Apostaste o pife

A mesma mão que te convidou à mesa
puxou a toalha
e te despedaçou
te deu com o baralho na testa
entortou teu garfo
esqueceu tua sobremesa

Mulher,
há em ti ou no outro
um coração
espreito demais
trancado demais

quem se atreveria
ao te ver tão espinhosa
tocar teu rosto?

Tua pele machucada pelo medo

às vezes pareces pedra
às vezes te redemoinha
às vezes imploras o buraco negro
te penteia
choras em público
te escorregas de dor
e escolhes o dedo apontado
como teu aliado.

Não te sobram quereres
emudeceste o teu íntimo
te faltam forcas para a voz
do novo
não te arriscas
tua outra mesma vida pequena

Mulher,
Tens medo de pular!

O mundo é mais contente que tu
O mundo te parece contente
Enquanto lamentas tua solidão

Queres gritar
Mas não podes,
Há crianças pequenas na vizinha
E a casa vazia pode assustar
Passa da hora em que gritar
É permitido.

A culpa do teu choro és tu


teu espelho do mundo
te enlouqueceu
deste a roupa
deste o alimento

e teu cão te mordeu

aprende mulher
que a vida de um
que de bandeja te fizeste
ao lado

a vida e outros
que de maçã em maçã
ficaste sem o circo
manca dentro

aprende a soltar teus balões
ferver teu café
e ser
teu ninho coberto

constrói teu teto
para que ainda possas
no relampeio
sorrir para as próximas
tempestades.

Antúrio negro dos Anjos

Antúrio negro dos anjos

Vê, ninguém assistiu
à formidável queda
da tua última esperança
afogada na esquina do teu cais

Ninguém está à tua deriva
diante da tua mesa e luz chorando contigo
esse sem descanso pranto

Pega,
toma os aplausos que te gorjearam
pega pluma te prometida
pega o rasgo do teu pranto morto
e enterrado por essa ilusão

Vê,ninguém te remendou
o castelo desabado
na estrada da tua derrota

Ninguém previu
teu suado rumo

Ninguém respirou
teu último poema
jogado as águas beiradas deste litoral

Nem a onda nem a bruma nem o vento

te consolaram o reboco desta ultima ruína

Pega a faca,
dilacera tuas vestes
já não te resta mais nada
deixa de queimar fotos
que as fotos não te causam repugnância
a repugnância inevitável de teres te sido
até o fim de tua verdade

pega a bíbliaega o livro
pega o banco
dessa ridícula esperade
que ainda se alimentava teu coração

Que também o coração homem
já te apontava o mesmo erro
o mesmo alvo

Pega a caneta
engole a tinta
a escrita da tua palavra cansada de vãos

Essas palavras que te falam
mas parecem não te ver
essa palavra que te sonda
te ronda
dizer
o grito
se embrulha no papel jornal
e desiste de ti
de uma vez por todas

Pega tua garganta
tranca teu rasgo
esse rasgo que te previu
a mesma boca macia
que enganou, que te cuspiu

Pega a linha
deixa limpa tua sina
dispensa tua pedra
tua caixa empregada
tua aflição corrosiva
tua primeira primavera

Vê,
ninguém viu descartado
teu único contrato de risos
ninguém segurou tua mão
ninguém te amarrou o cadarço da sandália surrada
teu espasmo
teu elo ao sentido
esparramado no papel

tua gota d’água de olhos lágrima
te afoitou vingadora
marcou a página
que a vida não te permitiu
pular.

6/30/2006

Bem não visto

Espera aí,
Bem-te-vi.

Não vai achando
que porque sou pequeno
colibri
você pode vir decepando
minha raiz.

Não é só porque somos
passarinhos
e nos fizemos quase
por iguais
que você pode
sair me espatifando
as folhas
da única quimera.

Olha lá Bem-te-vi
Eu bem vejo
a tua
face obscura
e bem te sinto
teu peso,
mesmo que por
detrás da tua façanha
de riso.

Bem-te-vi
presta atenção,
a vida não é um palco não
a vida não é besteira pra você
fingir pra mim.

Ou acha que eu eu nunca depenei?
Ou pensa que eu já arranquei
uma pétala sequer
do seu sucesso?

Ou acha que não posso ter
bons olhos para tuas
penas leves
só porque eu fundo
meu próprio cobalto
meu aço pelas espereitas
de me ser.

Bem
te
vi

Não vem com essa pose
de lá vem ouro
e ternura,
que eu sei no fundo
que a tua garganta
anda trancada
pelo tédio,
pelo medo de não arrebentar.

Ou acha
que só porque tenho duas feridas
aladas no meu rosto
eu não tenho olhos nem desternuras
suficientes para ver
teu asco embrenhado em dor?

Bem-te-viu
sou teu espelho.

Que vês além de mim pássaro
cansado de voar,
que não me olhas
suficientemente para ti
sentindo
que posso te dar a mão?

Que
bem não visto
posso ter para merecer
tal desfeito?

Bem-te-vi
mesmo que seja,
nada te daria
o direito
de me cortar

Bem-te-vi
não faz assim
que bem não vejo
tua sem cera verdade.

Faz não isso,
Bem-não-visto,
que fico no grito com você!

6/16/2006

Meta Rir

Meta rir
Era metade.

Era uma metade
ensandecida de se ser.

Era uma metade ludibriada
mágica
mas vã.

Parecia muitas metades
por vezes
parecia outro
outra
ás vezes era.

Era fúnebre.
Um pé no lodo.
Era cruel.
Mas era uma metade.

Tinha pudores falsos
amarrados num medo
atravancados na minha perna
eu,
que muitas vezes
fui a minha metade
medrosa.

Parecia morta
constante.

Eu nunca soube o botão da luz da metade.

Quando ela recuava e me acusava
e me fazia mesmo
mórbida
eu atirava
e obstruía
a minha parte inteira.

Às vezes parecia sorrir
às vezes parecia gemer
às vezes se costurava
e pendurava no meu ombro
o seu peso
a minha metade.

Era tomada da minha sede
e da minha necessidade
era sempre certa
mas era parada
e a voz que já era baixa
foi ficando muda de palavras
ficou apenas as rasuras
do rosto
um puxão
uma sombra
um desânimo
acompanhado
de um olhar penugento.

Reclamava agora
a metade.

Ficou febril
ficou turva
sem ouvido de riso.

Ficou desistida
ficou plasmática
branca
às vezes
me passava
despercebida.

E me parecia uma metade
tão manca de força,
que me surpreendi

quando a vi
rir feliz
rir com soltura ausente
com leveza
de um peso
que me deixou.

Rir rir e rir
radiantemente
e explicitamente.

Rir e rir
ela,
quando ainda ontem
havia chorado seu enterro.

6/06/2006

Adquira-me

Adquira-me em paredes
Em partes dissonantes
Todos os poemas.

Adquira-me em silabas
Letra a letra
Que passar rente a mesa
Das tuas palavras
Embaladas de noite e soltura.

Adquira essa minha inconstância ao andar
Esses acasos vivos em mim
Como um cão acariciado por um desconhecido
Permita-me um carinho alheio
Ao que ofereço no poema

Não quero te prender
Na linha estreita e apertada da forma
Não quero te ditar uma rima
Nem tão pouco que entendas a poesia
Como um sopro que desejas imensamente
Ou simplesmente
Perceber.
Não quero te encher dessas palavras
Repetidas.
Ao poeta não cabe a palavra
Cansada e óbvia
Ditada e redita a toda hora
Nessa confusão barata
Do mundo-boca.

Que queiras conhecer outra palavra alva
Outra palavra branca ou negra
Escondida nesse caderno espaçoso
Sem linhas de excesso
Limpo, liso e preciso.

Aquele verso volto e revolto
Consultado diariamente
Recitado pra si,
Aquela palavra inversa
Que te cerceia
E não sabes
Lembrar o nome.
Aquele sentimento poema
Que te engalfinhas para achar
O sentido

Mas só diz a palavra
Mas a palavra só diz
Mas só a palavra diz

Se eu permitir um espaço
Entre o livro e essa instancia em escrever
Se no visgo da minha passagem
Lado a lado
Vizinho a essa remessa de verso
Solveres
Saliva a saliva
Minúcia a minúcia
Gole a gole
A poesia distante que rápido me evapora
Adquira-me logo.

Há de passar em mim e perante a esses corpos
O poema-labirito
Que negado a adquirir-nos
Pode se enterrar
Em qualquer outra garganta seca .

E pode estar lá morto
Nosso viço-poema
Que quase nada quis
Dilacerado numa parte-página
Em branco.

6/01/2006

Pulso do não dizer

De grão em grão
echi-me de respostas
argumentos itnerários
de um não-dizer propriamente.

Meu querer são.

Meu não-querer próprio
e único.

Esses braços cansados
de sim
essa mandíbula trêmula
sem rodeios e cortes ao falar
essa interrupção
do meu dedo levantado

meu dedo não quer responder.


Necessária seria
a falha vingada
se não calada.

Esse ensaio embaralhado
colecionado e aglutinado
no minuto certo
de referir-me.

Não foi o engasgue
nem esses olhos travados
nem a ressonância
pulsada e atravancada
do medo.

Travada na minha garganta
não foi a emoção.

Foi talvez a casca ilusória,
o cansaço das travessas-petróleo,
as falas repugnantes do mundo-sertão.

E foi a primeira não-provisória
que me impediu de dar um peteleco
nesse fogo dolorido
que meu pensamento gritou.

5/01/2006

Banana

Foram três dias.

Longas as águas bebidas
as águas que arderam na tua garganta.

Foram três dias se enchendo de algo
para sobressair a si,
muitas palavras gritada
muitas coisas vomitadas
na cara de quem passava.


Trinta garrafas

-trinta mil goles!

A boca pareceu engolir
você

a boca engoliu toda história
pairante nesta sala.

O estômgo implorou
ao quarto dia
na tontura segurada na mesa

-uma banana!

compromissos adiados
releitura de sonetos
novos telefonemas

uma banana salvou a semana.

4/28/2006

A tua voz vem de longe
como uma água parada.

Toda a montanha neblinada
toda a forma irregular
todo cálido momento
de respirar a solidão.

Te venero.

Todo o pano de trás
todo o embrulho da vida
toda forma

uma vez foi tudo um presente.

É uma partida desatinada a vida
que virá amanhã?


Te anuncio.

Mesmo que deixes de pousar

mesmo que não finques raízes.


Amor é filho do inusitado

sentimento métrico dos prazeres.

Anúncio!

É a letra formando a palavra de um.

Anúncio!

um chamado por você.

4/19/2006

Pedido

Venha,
me traga fugaz
as nossas boas partes
de nos ter sidos.


Venha para dizer
o
sim.

Matando
de vez
as vezes todas
em que o
não
imperou.

Venha no desenhos da minha cabeceira
nos movimentos dos meus dedos
ao te lembrar já estranho.

Venha me cheirar as mãos.

Venha ocultar
aqueles instantes todos
em que quis
me morrer
ao teu lado.


Venha para deixar na minha memória
ao menos uma ida
sem buracos.

Venha para acabar
com essa sujeira entalada
nos olhos do nosso
convívio interno.

Venha para uma visita.
Para um dia sem as demarcações
dos nossos choros.

Nossos gritos ainda empregnados
nessa parede
me lacrimejam a sua bruta ida.

Venha sim!

Nem que seja para abrir e fechar
nossas esperas.

Venha para deixar um trevo
uma semente
um pedaço de pano para a mesa.

Quantas vezes lamentei
os panos escassos
das mesas dessa casa?

Venha trazer uma respiração
sem parto.

Venha trazer um pulso
um ponto-cruz,
algumas maçãs.

Traga algo.

Para as vezes que
deitar minha cabeça
para trás
não seja uma culpa sua.

Para que eu não chore
as vezes em que retomar
um lira dessa lembrança sem cortes.

Para que não me abafe a calma
as vezes que rir
a sua gargalhada comprimida,
tão odiada por mim.

Para as vezes em que eu
bater na porta
dessa solitária história.

Venha me trazer um resquício
dos nossos ridos conflitos.

Um alfinete
uma agulha
um botão
feliz!

Para que eu possa caminhar
nesse sol pairante
sem a sua sombra
incompleta.

4/17/2006

Apelo musical

Alguém!

Alguém me dê um
motivo
único
para estar aqui.

Algum motivo para estar
neste lugar
incógnito
pequeno e úmido
em mim.

Alguém me dê o motivo
de estar neste luga imóvel

alguém de me dê
o motivo para ventar.

Para não ter ido...

Um motivo para ter feito.

Um qualquer!

Para estar por aqui
e por aí em ti.

Contar, descontar
sentar levantar.

Me dê o motivo dessa mancha
na minha pele
dessa sarda que nasceu
na minha tez,
por alguma ausência
ramificada.

Me dê!

É meu!

Alguém...

Para limpar essa suajeira.
Para olhar adiante
do vidro transparente
da paisagem.

Para persistir aqui,
para porvir,
para esperar
sangrar
ir
ir ir ir ir ir
ir
ir ir ir ir

algum motivo.

Algum motivo para acalentar
essa minha cabeça sem encosto.

Algo me dê
algum motivo
para não


naufragar
borbulhar
fugir



ficar.

Para estar adiante
além

para estar só

para estar
junto

para querer

para cortar

para fazer.

Alguém daí,
algo daqui


para me implorar
a existência.

4/10/2006

Pena Morte

Primeiro morreu nossa gata.

Depois morreram algumas
mesmas palavras
tão derivadas de dor.

Depois morreram
nossas músicas compartilhadas.

Morreu a fome de um,
a fome do outro.

Morreram as pernas quentes
nas escadas,
o corpo efeito
da ternura
na estrada.

Morreram os lençóis
os textos
as toalhas
os bilhetes dóceis.

Morreram também as esperanças

Tudo já era, desde o início.

Morreu também os prantos
nada se guardou
para o curtir do amanhã.

Morreu a pancada e o presente
o grito forte
a voz ausente.

Morreu o efeito imediato
morreu.


Morreu a vontade de não dar o tapa
morreu a vontade de estender o braço
morreu a vontade de salvar o afogado.

Morreu a surpresa e a empresa

a conta conjunta
e tudo apareceu na mistura,


morreu o um que tava no outro

morreu o lábio molhado

a torcida inquieta

morreu o suor e o eclipse.


Morreu a grama,

os conjuntos de mãos

as nossas asas que batiam

presas-soltas.


Morreu tudo

até nós
que parecíamos vivos.

Morreu o nosso fôlego

o nosso golpe,

nossa história dividida em dois.

Morreu a sombra

a luz.

Não doeu mais
nada
nada.

e o peso de uma morte
tão esperada
é o nada.

Indiara

Indiara habita
um vilarejo
de macelas.

Os pés delicados
e a boca mastiga...

Indiara é uma castanha.


Pisoteia os colchões
que a remessa de nuvens
traz.

É algodão uma vez
a cada amanhecer.

Indiara encomenda
às luas florais, rendas, alfazemas...


O relágio desperta
e Indiara abre a janela:

sálvia!

Alcançando os passarinhos
com sua entrega.

Indiara é uma elfa.

Pede ao tempo que pare
para ela passar,
pede ainda um espaço
se alastra
se garça,


fecha sua asa sobre nós.


Lentamente abre
a boca comprimindo o lábio rosa
e a testa branca
Indiara pede...


Indiara pede...
Para trazer-lhe as mudas folhas
caídas no caminho.

Pede.. Para não arrancar
nenhuma


as
caídas

Indiara sussurra.

4/08/2006

Desmerecida

Ajoelhei-me
deitada no chão
contei as goteiras,
as gotas
abri
fechei
abri fechei
a janelinha esmiuçada do banheiro.

Nada me prende ao chão
nem o pó
nem a masmorra
movimentada do dia.

Eu contei o tempo
arregacei as horas
te insisti
te refalei
me adoeci,
nada
nada
nada
do que vi
foi resposta
das minhas perguntas.

Até a sombra de uma cadeira
marcada na parede
me parece mais livre
que essa história.

Até esses enfeites de macela
sobre a mesa
começos da escada
até tudo isso,
não me respondeu a pergunta.

Ou sou cega-surda
ou deveria ser mesmo muda.

Ou sou apropriada
fina folha de sulfite branca,
pasma,

ou a tentativa de me unir ao chão
ao pó assentado nas prateleiras
não passa de um tênue reflexo

sobre meus sentidos
escondidos
vistos
falados e ouvidos
desmerecidos.

4/05/2006

Dedos-Buracos
Minhas mãos trêmulas não sustentam
minha vida, vida.

Minhas mãos cheias de boca
não me resgatam
as duras penas que foi o ímpar trabalho
desse sorrisoque me unge.

Os buracos da minha mão
me corroem.

Tudo o que perdi,o que se encontrava
na palma
há um sopro de felicidade,
o tempo ventoso me arrancou.

A âncora dessa história sem fôlego,
não me revelou.
Eu não entrei em mim.
Por muitas vezes nem fui eu.

Os burcacos no azuleijo
a mancha de café na parede,
nada disso me respira no vôo casual
de me ser,
entre essas habituais
imperfeições dos amantes
da vida simples.

A luz que a vida quis dar
não gestei,
eu não escolhi ter vestido esses
cadáveres
pesos em mim.

A rapidez do tempo me arruinou.

Os sofás, as almofadas,
a janela serena de sol,
nada disso me sopra a eternidade.

Ainda me escorando
nos dias vividos
restauro a fronte
do meu ego-sistema

4/01/2006

Doloridos

Escolhi correr
na parte estreita da calçada.

Saltito perdas.
Saltito
no correr
des-emoções
des-ultilidades
des-rítmos
des-corro.

A cerca finca
no troco de uma árvore
cortada ao meio.

Além de decepada
árvore fincada
no arame farpado
sulca
seiva.

Ninguém vai fincar
a história
em que cavei o alicerce.

Ninguém vai sulcar
emudecer
as palavras que foram
minhas e tuas
o ontem
que faz anos.

Ninguém abrirá a mesma
carta
com tanta certeza de
chorar.

Talvez ninguém mais
chore por mim.

Ninguém
vai esmiuçar
as idéias,
morrer por uma tentativa
de te conversar.

Talvez ninguém
ninguém
saiba,
quantas tentativas
fincaram o arame
e fizeram para sempre
parte do nosso
tronco-corpo
dolorido.

3/30/2006

Mara

Eu sempre sei
que quando chegar
você vai me alcançar.

Puxar meus sete braços
minhas 12 mãos
meus vinte olhos.

Sempre sei que você
vai frear o meu abuso,
vai me rememorar
o que só com cinquenta anos
não se pode desesperar.

Que a mente é um caminho duplo
e que á no ventre de uma mãe
que estão os alicerces
da sábia criação.

Eu sei que as roupas limpas
a voz trêmula
o suspiro
e essa doçura
rida do mundo,
vão te balançar para
respirar um pouco
do seu lugar:
o céu.

3/28/2006

Revelações

Para alguns
posso tirar a fina camada
que esconde o meu rosto.

Para alguns,
posso engradecer o meu riso,
a fim de apenas tentar.

Para alguns desses que me passam,
posso falar uma palavra alta
um palavra desistida de existir.

Posso falar a palavra morta.
Enquanto tudo aquilo que não
penso vida rasteja um chamado
de uma palavra esquecida.

Posso abolir meu corpo
gestual, ao falar.

Posso usar as palavras erradas
jogadas por momentos
em sentimentos vãos e efêmeros
que me habitam.

Direciono-me, em alguns
que me trilham ao me encontrar
que marcam meu caminho
com pedaços de pão,
milho,
e pequenos toques
de cumprimentos.

Para alguns posso dramatizar
meu drama, radicalizar
meu conceito,
criticar gullar.

Para esses que enebriam
a vontade de me ser,
que me querem acentuar
o alto,
àqueles que me perdoam
as palavras esquecidas
e as demais ditas
repetidas
posso chorar.

E ao chorar posso dizer
após,
ao me desmanchar
que não era preciso ser.

Na obviedade das lamentações
limitadas,
de toda uma tragetória
para esses,
posso me crucificar
posso tentar
na testemunha
do meu choro
na prisão-tranfiguração,
unir-me a mim.

3/24/2006

Presságios

Derrubaste as minhas agulhas,
alfinetes,
quinquilharias
sonoramente
no chão.

Ando escassa
tênue mancha
sentada à quina de uma
cadeira.

Ouço o ventar .

Não me pergunte
onde colocarei os restos,
onde ensaiarei os começos,
os meios.

O que farei com os vestígios,
onde,
onde vou pôr
o sentimento de perda
que me rememora
cada respiração
parada.

Parei de tentar.

Presságios anunciam outra
janela.
Desta,
não te abanarei.

Também não sei
o que farei com as mãos
após te acenar o adeus.

Não sei onde colocar
as assinaturas
os presentes
e os ausentes
contados minuciosamente
em casa parte deste corpo
um registro.

Partirei quando partires.
Partirei, partirei, partirei
com afagadas esperas
de me voltar.
Passa eira

Roda incessante
gira sem parar.

A roda passageira
do tempo me levou,
não há mais nada de mim
antes.

Eu me pareço
padeço de outro.

O anunciador timbre
de um portão aberto
me esconde
não espero a passagem das visitas.

Uma cidade sem prédios
se fecha circular,
sombra interminável
de um caminho
desprovido
céu desaberto.

Carrego e passo.
Antes que me marquem
a porta fechada da saída.

Poltronas não descansam
cabeças que não pesam
o travesseiro.

Entro e passo.

O amargor
de uma porta escancarada
não compensa
a estranheza
do caminho definhado,
pontiagudo final.
Criar a casca grossa
quando a mandíbula
estiver trêmula.

Criar um ápice
pico-deusa
monte aberto
escalada,
quando a memória
reafirmar a cautela.

Amanhecer
na hora em que o meio
dos tendões abrirem a janela
sem trinca.

Silênciar
entre o instante
do grito
e esfera frágil
quebradiça
da dor interissa.

Abafar
quando o vento gelado
de um sussurro pelas costas
puxar a membrana do interno.

Desmanchar-se
quando a ponta do dedo
apontar o umbigo mentido.

Esticar-se
quando as mãos,
a voz,
e a palavra
te esmurrugarem
contra a parede.

Fingir
quando até aqui
transbordar,
passar do limite.

Arrancar
mesmo que por tentivas
vãs,
abrir, fechar,
suicidar,
mesmo que invisível
permaneça.

Ferir, correr,
quando não há mais
nada a desfazer-se.
Criar a casca grossa
quando a mandíbula
estiver trêmula.

Criar um ápice
pico-deusa
monte aberto
escalada,
quando a memória
reafirmar a cautela.

Amanhecer
na hora em que o meio
dos tendões abrirem a janela
sem trinca.

Silênciar
entre o instante
do grito
e esfera frágil
quebradiça
da dor interissa.

Abafar
quando o vento gelado
de um sussurro pelas costas
puxar a membrana do interno.

Desmanchar-se
quando a ponta do dedo
apontar o umbigo mentido.

Esticar-se
quando as mãos,
a voz,
e a palavra
te esmurrugarem
contra a parede.

Fingir
quando até aqui
transbordar,
passar do limite.

Arrancar
mesmo que por tentivas
vãs,
abrir, fechar,
suicidar,
mesmo que invisível
permaneça.

Ferir, correr,
quando não há mais
nada a desfazer-se.
Resolve logo
Quer todo o meu tempo
quer meu olho
e meu passo
meu círculo vicioso
quer ser meu cigarro?

quer um trago?

eu não fumo não
eu corro desse bando.

Puxa meu braço
mas não com força,
entorna escoa
pode brigar berrar
e só puxar meu braço
que eu só não tenho tempo
pra viciar,
nem pra fumar,
explica grita!

Pode ir falando
que eu só não tenho tempo
pra viciar
e pra emburrar.
Desvio

Desviaram o teu último passo.
Caso você queira voltar
é proibido.

A lei te deixou
sem nada,
a lei não é fala.

O dedo apontado
no teu nariz,
a água escorrida
no meio das tuas pernas
o nervosismo
a brasa
a cinza
e finalmente
o suspiro,
não te deram
uma segunda chance.

O sol da primavera
é escaldante e ainda sim,
na ardênciada tua pele
a água não te refrescou.

Tua concha de mão
não regou,
você procura
um sim
você procura
dar a última volta
do sonho imediato.

A lei te proibiu
de pensar
a lei não te deixou usar
o fio-dental
a lei da vida,
não te trouxe
a aspirina,
as gotas de essência
não funcionam
sem a pele.

De nada adiantou
o esforço.
Você teve artista,
que rezar
para pegar
o desvio estreito
`a ter que pintar
a carade ouro,
para que te sorrisem
uma nota no jornal.
Varrida

Todas as escolhas
todas,
estão enfileiradas
de fronte à minha testa.

Toda a parte de mim
se embrenha nas milézimas
moléstias, amores e dores,
felicidades...
Me desejam.

Todas as coisas que cabem
nessa gaveta
transbordam
expectativas,
potes ,
baldes,
passados rostos,
passadas entradas,
pálidas palmeiras
desenhadas
no papel gasto
de um dia vivido.


Todos, todos os ideais
estão encaixotados
dentro de uma vasilha de planos.
Planos morridos,
planos quase-atingidos
metas que me rememoram
metas
metas metas,
onde vou chegar?


Nos cantos das idéias
medos de caça,
medos amendrotados
de medos,
possibilidades,
propagações
crescimentos,
escapatórias,
estradas,
panfletos para um dia,
eventos à espreita.
onde vou chegar?

Cargas, descargas,
agora
tudo pode ser eu.

E toda, toda a minha vida
se passa
na vassoura varrida do começo do dia,

onde vou chegar?

2/18/2006

Joio

Não me responsabilize
por algumas afirmativas
que fiz ao vento,
e você rememorou.

Tinha me injuriado
com os galhos arranhados
que a vida me regou.

Eu hoje não queria ter dito.

Eu hoje apanharia roupas usadas
e objetos sem mais valor,
e levaria de presente
'a qualquer um
como pedido de desculpas
'a outros.

Também os atos,
alguns quebrados
as sobras de um gesto
que eu não fiz,
não pude fazer,
me eleve.


Desconte as faíscas
quando o âmago açucarado
te repeliu pela minha boca.

Não era nada daquilo.

Estou na epístola dos nomes negros.
Pelos trocadilhos
de fazer mal
de ão fazer bem, e de fazer bem
quando era pra não fazer nada.

Pelos olhos e atitudes não te dei,
mas dei o tapa.

Não escondo a mão.

Se é em vão pedir,
se deitar-se 'a beira do arrependimento
não resolve a vida,
não leve a sério
também o este poema
que carrega todas as tosses
enfermidades
que plantei no caminho.

1/22/2006

Golpe

Raíz e galho
mesmo sentido,
torta.

Folha fina
que corta o vento
cruza o tiro,
bala
encontra
o peito.

Escora o golpe
levanta a lança,
a febre passa
mas demora.

Convívio-dor
engole a fibra
das palavras
açucara as unhas
arranha de leve
o rosto
daquele que
inflama as orelhas.

Postes-árvores
abraça a parada
tediosa
de uma passagem.

Montanha embaralhante
dos misturados bichos
exala
o cheiro.


Um guerreiro nunca
atira o mesmo alvo
faz do golpe oculto
sutil
o respiro
da passagem.